quarta-feira, 24 de março de 2010

Quatro mãos na madrugada do Norte




I


Voar. 
Diamantes voadores
pequenos cacos brilhantes
mensageiros de outras dores
de outras vertigens
outras eras.
Voar.
Desmanteladas insônias
no grito do vidro rasgado
contra a parede anônima.
A tristeza não é.
Tem nome, endereço fixo e RG.
Só não tem a solução.
Essa vem voando nas asas do tempo
equilibrada no brilho do último caco -
 
solitário caco grudado no vão
 
da tábua do assoalho gasto
no hotel de quinta
sexta
sábado e
 
domingo de sol sem luz -.
Voar.
Um dia a última derrota
haverá de ser varrida
pelo número crescente
de vitórias.
Voar.
Um caco guardado no muro
pra virar pedra de anel
nas asas d'alguma boa nova
na próxima esquina da vida...


II

Ando com gosto de perfume na alma. 
Cítrico. 
Do jeito que eu gosto. 
Perfume com som dos sete sinos da felicidade.
Ou do mensageiro do vento, 
aquele mesmo que tine quando 
sopra uma brisa ou 
quando se anuncia uma tempestade. 
Ando com gosto de hortelã e jasmim. 
E com uma vontade inenarrável de 
devorar a vida, os instantes, os silêncios e os beijos do tempo, 
como se ele estivesse por terminar 
pra mim. 
Sem desespero, mas vorazmente.
É que estou na fase eufórica. 
E queria que ela durasse pra sempre.



 III

Mais um dia de vida não é 
mais um dia perdido, 
ainda que nada tenha havido nele, 
de bom, 
ou de aparentemente aproveitável. 
Mais um dia de vida é 
mais um dia ganho. 
Viver é tão difícil de dizer que 
é melhor abster-se, 
e, 
confortavelmente, 
sorrir...


IV

Parto o vidro
o pão
a despedida.
Parto o papel da carta maldita
a partida
a participação impedida.
O diamante brilhando na íris,
esse não parto.
Partilho.


V

As madrugadas são poderosas 
mágico-excêntricas. 
Nelas é possível transformar delírios 
em canções 
ou apenas em flutuações de estrelas.
 
As madrugadas são batons vermelho-vibrantes, 
criados pra criar outras dimensões. 
As mesmas que transformam gatos em lebres, 
fibras em febres, 
vidros em jóias eternas.
As madrugadas são bruxas 
e blusas abertas nos varais, 
nas sacadas, 
nos lençóis amassados de sedes.

As madrugadas são leves, 
são breves, 
são brutas. 
Bestas soltas nas erupções dos sonhos 
que se inventam 
e tentam voltar a ser copos 
nos corpos cristalizados 
dos diamantes intactos, 
que bailam no chão do hotel de um outro Hemisfério. 

Madrugadas são mistérios.


VI

Não são os gregos que quebram os pratos? 
Quebremos os vidros dos copos. 
Poupemos os carmas. 
Misteriosos são os caminhos 
de tudo o que permanece 
diamante...


VII 

Guarde o copo. 
Quebre a dor. 
Celebre a estada. 

Entonteça. 

Hoje sim. 
Hoje - 
a transparência do copo intacto. 

Enterneça.



VIII

Digitais longínquas 
são capazes de pintar quadros outros, 
diferentes da dor... 
Bom ver sombras dançantes d'outras vitórias... 
Bom saber-se parte de um copo permanente.


IX

A partir de hoje, 
um pensamento em tempo real. 
Um tempo pensado em copo. 
Uma definição ou um acordo 
sem prévio aviso ou absoluta escolha. 
Gole sagrado. 
Visível. 
Exposto. 
A partir de hoje, 
o outro lado. 
Da lua 
ou 
de ti mesmo?



X

A partir de hoje, 
a contradição e um gole de madrugada 
serão considerados mantras sagrados meus... 
Teus.

Acasos são riscos já traçados. 
N'outras dimensões. 
N'outros pontos. 
N'outras canções.


XI

Nos meus poemas 
nas tuas canções. 
Nesta 
n'outras todas dimensões.
Seja na minha face perversa, 
seja no teu sorriso, 
seja na reação clara 
do poema composto a quatro mãos. 

Mãos de madrugada.







23.03.2010 - entre 20h e 22h19min
Obrigada por semeares inspiração.