terça-feira, 4 de agosto de 2009
Uma
Eu hoje escrevi feito louca
pra não perder o jeito
ou não perder a loucura
tanto faz
as duas coisas andam juntas
meu jeito
minha loucura
minha poesia.
São três?
Não.
Nem duas.
São uma.
04.08.2009 - 16h30min
Invenção
Estou boa de inventar
um outro jeito de poetar
um jeito assim meio moleque
de quem não se arrepende
de nada dizer direito.
Estou pra inventar um jeito inocente
de quem está ou é meio doente
meio sem pé nem cabeça
meio coluna do meio sem intenção de pretendente.
Estou boa de inventar
um jeito contente de poetar
que não conte as sílabas
nem os espelhos.
Que não tenha vernáculos rebuscados
ou formas estabelecidas antes do começo da escrita.
Estou boa de inventar um novo invento
uma coisa qu'inda não exista
uma vírgula no verso
um raio de sol que rasgue a noite sem lua
um suspiro de alívio sem dor.
Faço votos que meus novos versos
esses mesmos
assim meio desconexos
meio sem medida
mancos
descalços
ou de saltos altos
ou de pernas de pau enormes
sejam mais que versos
sejam gritos.
Que poesia é essa coisa absurda
de dizer as coisas entre os dentes
e não ir dizendo nada que construa
e mesmo assim ir construindo paredes
d'algo que ninguém enxerga
mas que todo o mundo sente.
Ando com muita vontade de inventar o verso mudo
ou o verso de dois quilômetros de largura
ou de mais de mil metros de diâmetro.
O verso número mil
o diverso
o reverso
o que dá vontade de ver
ou não.
O que dá vontade de ler
ou não.
O que dá vontade de ter
ou não.
Escrito
gritado
manipulado
desfeito
maldito
comprido
comprimido
contrafeito
destoado
destonado
desenterrado
do mito
do muito
do famoso
"diga ao povo que fico".
Fico onde, se não caibo no espaço da folha?
Fico aonde, se não minto o bastante?
Estou pra inventar o verso mentiroso
um jeito de poetar que finja alegria
ou um sorriso faceiro
quando chorar era o que eu queria.
Estou pra inventar um jeito amargo de poetar
o verso que não sustenta
a língua nem o prato
quanto menos o pranto.
Estou boa de inventar essa reviravolta
que eu não sei de onde tiro
se foi ontem
se ontem se foi
se se cumpriu o delito.
Se gaguejo poetando
se, ao poetar, gaguejo
se gargarejo um poema
se cruzo os braços
e praguejo.
Estou boa de inventar
esse jeito de poetar desamassado
que compara a porta ao descabelado
e estremece de dó
de pena
e de vínculo
nos fios da tomada exposta
desconstruída.
Estou boa de inventar
um novo unguento
pr'essas minhas feridas doridas...
Ai...
04.08.2009 - 16h17min
Tresloucada
Tresloucada escrevo novos versos
meio sem nexo algum
que é pra ver se desvirtuo
um tantinho só
um só tantinho
essa minha vontade de ser certinha
a certeza que eu nunca tive
o caminho que eu não cheguei a seguir.
Solto os dedos no teclado
e permito que eles mesmos digam
o que eu não ousaria dizer
de boca lavada
e cara limpa
diante de um espelho quebrado
ou de um microfone a todo volume.
Quero distância das sinceridades todas
prefiro as mentiras cabeludas
pra fazer tranças e longos penteados
e fingir que tudo permanece intocado
feito relva virgem
em clareira aberta na floresta desconhecida.
Permito que meus membros gritem
as coisas que eu não pronuncio
nem sonho em dizer sem testemunhas
ou quadros de funcionários
e discursos de teses sem sentido
sem intenção
sem conclusão precisa.
Eu quero a liberdade de saber-me nua
despretensiosamente destituída de conceitos
e propostas oficiais.
Eu quero a cicatriz que me rasgou o peito
e o peito que recebeu a cicatriz.
Quero a marca
a trégua
a régua que traçou a linha
que eu não fiz
que eu não pedi pra fazer
mas que tenho que seguir
à risca
dia
após
dia
no interminável solo aberto
diante de mim.
Tresloucada escrevo
e digo
despudoradamente
o que me vai nos extremos
dos membros que me bastam
dos socos sovados no estômago
dos santos orados olhados ocupados
pelas orações que eu não pedi.
Tresloucada.
Escrevo...
E tu não entendes.
Nem deverias.
Nem poderias.
Nem ousarias.
Escrevo
mesmo assim...
04.08.2009 - 15h
Cuidado comigo.Eu queimo!
É feita de sonho essa minha vertigem
de frutas do conde
de restos de tijolos
das construções erigidas a dedo nu.
Eu mesma entalho os quadros
que penduro nas paredes imaginadas
das celas dos quartos dos brancos hospitais internos.
Incomodo uma meia dúzia
e outra dúzia e meia abençoo.
Se sou artista
e soo comunista
ou um tantinho autista
busco as rimas na gaveta vazia de dicionários
extintos vocábulos ardentes
nas chamas das velas que anunciam
um novo amanhecer.
Dolorido amanhecer radiante de raios de sol coloridos.
Quem pediu pra nasceu?
Quem conduziu os braços e os padrões
estabelecidos anteriormente
quando nem sinal de vida havia?
Se sou comunista
e soo autista
é que sou artista
da letra desconjunta.
Junto verbo com verbo
e sai um amontoado de minhocas famintas
de entendimento.
O sebo não gruda as canelas
nem os prantos liberam alegorias deveras.
Das Veras, dos viadutos, dos verões
que evaporaram nos dias de frio
sucessivos arranhões nos portões
de um céu sem nuvens.
Vadio.
Ou do inferno.
Que seja.
Se sou autista
e soo artista
é que sou comunista
sem um pingo de remorso
pelas noites mal dormidas
insones pesadelos desacompanhados
ou mal acompanhados
ou indispostos pesos nos cabelos
que operaram maravilhas
num mundo inexistente
in-ven-ta-do.
Ventania.
Se sou comum
se sou arisca
se sou feminista
enfrento a conquista
e todos os xis e todos os 'ipisilons'
impostos pela minha condição
de ser nada
num mundo vazio
de milhares de pontos finais
de sem números de pingos nos is
de incontáveis exclamações viris.
De meninos hostis.
De ocos homens soltos.
De zumbis.
Se arrisco
se petisco
se permeio
se costuro
se entretenho
se encorajo
se arrebento
atormento
enterneço
atordoo
é que sou pólvora
e assoalho.
Não me tem nenhum povo.
Não me agrada nenhum enigma.
Não me prende nenhum perdão.
Danço e disfarço as letras
em cantigas quase insaciáveis
de compreensão.
Se sou delírio
não me abuse.
Não lamba os beiços da lua.
Que o mistério é explosão.
E nenhuma costura
te alcança a alma
depois de rasgado o desejo
depois de tida a expulsão.
04.08.2009 - 14h30min
Já vai tarde
Um passo em falso
e já era.
Foi num tempo disperso
deixou de ser sem rastro
nem pegada alguma
que denuncie sua estada.
Foi.
Já era.
Perdeu o bonde
o trem andando
o táxi na curva do caminho
bem no meio da lida
num dia chuvoso
e escuro.
Foi
Já era.
Perdeu a passagem
o passe, o vale, o ticket.
Foi.
Já era.
Traduziu o reduto
do meio da linha
no fim da linha o fundo.
Foi.
Já era.
Nem um assovio
nem um aceno
nem um deslize.
Nada que indique presença
presente ou passada
distante ou futura
nem um vestígio.
Foi.
Já era.
Os escombros
os aquedutos
os restos mortais
os entulhos.
Nada.
Foi.
Já era.
Um fio de cabelo
o fio da navalha
o fel na lábia.
Foi.
Já era.
É tarde.
04.08.2009 - 14h10min
Assinar:
Postagens (Atom)