sábado, 22 de maio de 2010

Noturna

N'algum lugar eu li
e assim estava escrito
'você não pode perder
o que nunca foi seu'
vai ver por isso não durmo
o sono é a conquista diária
de todos quantos pertencem a este mundo
eu, nem deste nem d'outros,
órfã direta de minha própria existência
a noite não embala meus sonhos
nem pré requisito é
para meu merecido descanso.
É nas asas da manhã
que acomodo a cabeça
vazia, então, de tudo o que penso
ou pensa ou realiza, uma terceira
que não eu mesma, que me habita.
O sono da noite eu não tenho.
Nunca foi meu.
Talvez nunca o seja.






22.05.2010 - 03h44min

Sobre quem ainda sou...

Eu sou o caos
e o cais do porto vazio de quinquilharias.

Eu sou o grito preso na garganta

e a garganta da serpente sedenta de sangue.

Eu sou o que ontem não fui

e o que o amanhã me reserva

nas tavernas desertas d'outros tempos idos.

Eu sou naufrágio e solstício.

Sou o que de mim não dizem

e o que de mim escondo

nas vielas sortidas de bêbados e prostitutas.

Eu sou letra rabiscada

em guardanapo de bar ordinário

e olho de vidro na vidraça da soleira da porta fechada.

Eu sou vertente de inconfessáveis desejos

e pulgas e percevejos na pele da vida.

Eu sou o que incomoda e o que acomoda

a lente de contato em primeiro grau

da queimadura que o fogo não fez

mas que deixou marcas

antes de desaparecer.

Eu sou o que não se explica

muito menos o que se assume

ou o que se espreita por trás das janelas fechadas.

Eu sou solidão desde que nasci

e assim serei  até morrer.

Inteira.
 
 
 
 
 
 
 
22.05.2010 - 03h15min

Atitude

Escrevo no escuro
no meio da noite que devora
a luz dos meus olhos acesos.
Escrevo à caneta
na agenda vazia de segredos.
Risco as letras que não me cabem
e os pensamentos que me assaltam
são meio confusos
facas quebradas ao meio
que cortam os malabares
que eu não uso.
Escrevo pra espantar a insônia
mas ela me sacode
e me obriga a dividir com ela
meus mais fortes sustos.
Escrevo meu livro da vida
quando já ninguém me ouve
nas horas silenciosas de ontem
de hoje, de amanhã, de depois de amanhã,
quando tudo já é diferente
quando a dor do parto
já está esquecida.
Escrevo do jeito antigo
revisando as pronúncias
revistando as gavetas
revisitando os fantasmas
presos nas garrafas de sorvete.
Escrevo os ventos outonais.
Divido comigo mesma
 os direitos autorais
quando me leio
à luz do dia que eu começar.
Então boas-vindas dou ao sono.
E escrevo.
Dormito.







22.05.2010 -  02h34min

Acredito na cura de todos os males
e no poder de destruição dos males
e na permanência do mal.
Acredito no poder de transformação do amor
e na capacidade de amar
e na continuidade do sentimento puro
por mais que isso pareça impossível.
Acredito no resgate da esperança
ainda que haja milhares de desesperados
e milhões de motivos para desistir.
Acredito em milagres.
Acredito no fôlego que nasce todos os dias
seja em que condições forem
mesmo que só a morte o rodeie.
Acredito na amizade.
Essa mesma cheia de defeitos e dificuldades.
Essa mesma manchada de impertinências e dores.
Acredito na vida.






22.05.2010 - 01h18min