terça-feira, 24 de junho de 2008

Controvérsia

Garimpo pensamentos raros entre as obviedades do cotidiano perdidos nas alamedas do que jamais poderia ter sido. Salto os obstáculos que se interpõem no caminho como se a lida fosse suficiente como se perder já não fosse o bastante. Estudo cuidadosamente a imperiosa substância não-tida. São fartos os dias de fartura duvidosa, de suspeita companhia. Procuro o silêncio desmedido pra escutar o que me diz meu sonho distante o mesmo que não pôde rasgar a realidade. Perco o ônibus na estação do trem enquanto espero as asas de um anjo disfarçado de sorrisos e de fruta amadurecida no pé. São lisas as arestas da aurora e firmes as presas do espelho que me sorri. A noção de limite é o sopro de um deus controverso que controla um universo vazio. São minhas as horas que doei sem pressa que voltei atrás que voei distâncias imprevistas. São minhas as faltas as ausências, as não-presenças que parecem iguais mas são contrárias entre si. O ponto obscuro é o fim do começo de vida que não conhecia bastecida de alegrias e divãs de analistas onde nunca estive pra voltar ao começo e encontrar raros fragmentos de pensamentos plantados n'algum lugar que eu nunca vi.... 23.06.2008 - 16h

De repente

De repente tudo vira de cabeça pra baixo de repente o tinto perde a cor a cor perde a razão, a razão, a palavra. De repente, o espaço está do avesso o passo é espesso o escudo, uma invenção de um louco desacostumado com a luz de um outro olhar... De repente, a desconstrução e tudo passa a ser o que está em outro lugar. De repente, a tese rasgada, a antítese no verso da folha amarelada e todo o dito des-dito, malfadado. De repente, o que acredito não sustento o que sutento não credito no símbolo suspenso sobre o teclado. De repente, negror e sal amargo torpor e braço dado saliência e serpente no delírio de um doente que se pensa santo e que atravessa o sol poente como quem brinca de ser criança. De repente a conversa inocente rasga as vestes e enfurece a dança de corpos distantes que estremecem ante o afago ante a proferida sentença que nega a venturosa lembrança. De repente acordam-se os sonhos e andam em dimensões diversas entre os paradeiros das criadas das mulheres, das trapaças, das vertentes de lábios avermelhados, das madrugadas, das vizinhas, das deslavadas caras de predadores famintos por leite diverso. De repente escrevo poema quando queria escrever um risco (apenas um risco) um cisco no olho do passante que arranca a trave e grita, com o espinho entre os dentes: "SE É POESIA, SIM! DOU O MEU ACEITE!" E o acerto é acordado entre todos os presentes. Se poetas, se dementes, não faz mal, a gente sempre ri de tudo mesmo, a gente sempre vai estar aqui, afinal todo verso se inicia assim num repente... Bem assim, de repente... 24.06.2008 - 01h38min

Caminhos

*Para um RICO amigo São tantos são claros são escuros; são longos estreitos controversos. São frios calculistas exatos. São monstros são medos são fetos. Caminhos são tortos são mortos são tímidos. Vazios poluídos excêntricos. Caminhos voltam pelos mesmos caminhos vãos. Caminhos são escolhas porteiras abertas ruas sem saída florestas. Caminhos são luas estrelas e serestas. Serenos nas madrugadas. Festas. Frestas. Caminhos são velas acesas são velhas histórias são frutas diversas. Caminhos são aberturas e chaves-mestras de nomes que não conhecemos mas queremos saber por quê. 22.06.2008 - 22h20min

Ando nua

A teus pés meu mundo meu sangue meu ar. Esparramados diante de ti meus membros minha pele meus sonhos todos. Não preciso de mais nada disso. Ando nua. Não tenho morada. Não tenho parada. Não tenho dono. Fica com tudo o que é meu, inclusive essa minha alma que te ama que te ama que te ama. Ando nua. Nem alma carrego nem coração. Fica com tudo o que é meu. Eu? Ando nua. Não tenho dono. Sou asa... e solidão. 21.06.2008 - 01h41min

Dos sentimentos

Sentimentos são feridas abertas carne-viva-pulsante-exposta. Diminuição do que se entende por "cuidado, não há mais tempo agora". Sentimentos são canções que desafinam no momento exato em que nos apresentamos diante de múltiplos olhares. Sentimentos são alçapões que se abrem debaixo dos pés bem na hora da primeira pisada a mais firme, a que mais esperávamos. E lá vamos nós, abismo abaixo. Sentimentos são fantasias vestidas em pleno baile de carnaval. Confundem a gente, confessam o desfile e riem como se a nós não pertencessem. Preparam um espetáculo circense e desaparecem no dia seguinte. Sentimentos são ruínas restos dos trapos que ficamos ao remendar os dias que se foram e que já tarde foram e que furam a memória maldita. Já pareceram melhores. Sentimentos são bolhas são borboletas são fiapos de lã que não servem para tricotar a blusa de inverno no calor do verão. Sentimentos são espinhos são rosas que jamais nascerão nos vasos arrumados das salas de espera da vida. Sentimentos não são... 20.06.2008 - 02h45min

Mistério

*"A coisa mais bonita que podemos experimentar é a misteriosa"
(Einstein, soprado por uma poeira brilhante...)
Nuances de cores na tela fria risos de diversos sabores pinturas inexatas insustentáveis pareceres cortados por cronologias absurdas e abstratas liras. Médicos, pacientes, malucos, internados na letra que dirige um olhar de soslaio entre o que seja e o que solucione o enigma transparente da palavra inexistente no dicionário vazio. Não pensamos, não olhamos, não diluímos os múltiplos 'eus' na catastrófica realidade - martelo de sono - que prende a vida por um fio. Não somos meninos sequer poetas somos. Estamos leitores do outro ou de si mesmos, espectadores? Mistério. 19.06.2008 - 23h20min

Restos

Restam-me os pingos dos 'is' as gotas de saliva expostas nas portas da garagem de um poeta aprendiz. Resta-me a manifestação da natureza insólita perversos verbos e versos presos à porta da geladeira com imãs que falham. Resta-me a cura que eu não quero nem pedi. (O que seria de mim sem essa minha loucura?) Resta-me a insensatez o delírio, a busca cega pela chave da prisão de giz. Resta-me a febre gasta o suor, o calor, o cansaço, a prenda que não ganhei, o cavalo que não montei, a lágrima que não disfarço. Resta-me o movimento extinto na boca pintadade vermelho vivo. Ao menos na boca, a vida. Ao menos na vida, a boca que diz: 'eu não quero mais já tive o meu quinhão já não me basta ser feliz'. 19.06.2008 - 16h

Fardo

O pardo fardo na poeira da estrada. O farto prato na beira do abismo. A língua amarrada na farpa do clima. O cataclisma aquecido na prece do dia. A tecelã embrutecida no fiapo da vida. A faca, o queijo, o pão, o mantimento da lida. A mala, o beijo, a mão, o lamento na partida. O parto da letra na folha da sina. Palavra vazia. 18.06.2008 - 23h32min *Só mais uma dor...

Corre,rio

*Quintana, citado pelo brilho ofuscante da poeira de uma certa estrela:
"A tristeza dos rios é não poderem parar"...
Corre, rio.
Teu destino é o mar.
Na passagem, admira,
ama, deseja,
a hera, a chama acesa,
o acampamento, os riscos.
Os sisos das serestas alheias.
Corre, rio.
Teu destino é o mar.
Adocica caminhos
alimenta verdades
dá de beber ao luar.
Banha as gentes,
os peixes, os olhares.
Transborda de vez em quando,
provoca mudanças,
acende nuances
jamais suspeitadas
na margem direita
do teu braço
dado co'a chuva
que te abastece e delira,
prazenteira.
Corre,rio.
Teu destino é o mar. O meu?
Oras!
Eu nasci pra te navegar!
18.06.2008 - 23h

Aviso aos navegantes

Não tente me entender. Não pense em me alcançar. Estou longe. Sou o vento que sopra no deserto. Sinta a essência, e trema. Mais que isso, impossível. Não se permita o interesse. Seria desperdício de tempo. Acompanhe o trabalho, se te apraz, mas não espere aproximação. Não há possibilidade. Nenhuma. Conserve a sua paz. O resto pertence ao nada. Não vale a pena. 18.06.2008 - 19h13min

Pensamento inacabado

A loucura tem gosto de mel. Um tantinho por dia protege das intempéries. Há quem a considere um perigo. Perigosa sou eu, que vivo a um triz da lucidez completa. Isso sim é que inspira cuidados. A loucura não... Complete, caro leitor, como preferir... 18.06.2008 - 01h29min*Enquanto todos os lúcidos dormem. Lúcido é o cara que sabe que está um frio de rachar e se protege debaixo das cobertas, na cama. Louca sou eu, sentada diante dessa tela fria, digitando num teclado frio, palavras sem nenhum propósito além de esquentar um pouco a escuridão que atravessa o universo. Geladas estão minhas mãos. Louca! Uma louca, eu, com sabor de mel nas veias. Gotas de mel na pele. E gelo no lado esquerdo do peito. Inverno em mim.