terça-feira, 26 de julho de 2011

Espólio

Minha poesia é espinho
cravado na minha pele clara
o sangue escorrido tinge a folha
e sobre ele desenho palavras.
Assim me doo
assim me doem as letras
a ferro e fogo arrancadas
a fórceps
no parto das madrugadas.




Minha poesia não tem a beleza da rima
cuidadosamente esfarinhada
pincelada a ouro
e dedilhada em violão afinado.
Não.
É manca a minha estrofe.
Coroa de pontiagudas foices
machucada de algodão
e grita
entre os dentes da caneta
grita
na face do papel
grita.

Minha poesia espezinha tudo
a rima
a métrica
o jugo
de ter perfeito ritmo
e coisa e tal.

E finca a faca
no olho maldito
que exige clemência
sem dar nó na garganta da lua
que brinca de clichês
e outros ques notórios
enquanto de mim
não é verbo que nasce
mas vida que escorre
vermelha de medo e vergonha
de tanto ser pequena
na'scuridão da noite fria.

Minha poesia é putrefato despojo.

Sobre o túmulo dela
uma lápide vazia.

Nada havia
a dizer
nada via...



26.07.2011 - 04h34min

Bah noite

Recolho-me à minha insignificância.
Versos travesseiram-me.
Atravessam as 4 horas que se esvaem em pedaços de vírgulas nos instantes.
Vou pela sombra.
Refaço o caminho da vinda.
A vinha afoga o lenço arrastado.
O sonho que não enraizou-se.
O lance de escada que não deu o primeiro passo
o primeiro invento
o primeiro pedaço de luz.

(Caco de espelho)

Que não deu a trégua que eu precisava.



Voo.




26.07.2011 - 04h12min

Embuste

Indago se me basta
um hoje raso.

Voos interrompidos
buscas com dia e hora
pra despedir os aplausos.

O vale reflete meus desejos e o Sol aquece o grão da uva inda nem nascida.

São longas as madrugadas em que vejo escoar-se de mim o que não houve.

Indago se me soa suficiente
um hoje exausto.

Fatos insistidos
bruscas linhas e honras
pra alimentar os instintos.

Os vãos engolem meus silêncios e a Sombra esquece a língua inda não inventada.

São negras as madrugadas em que, cega, tento desvencilhar-me das teias do que não tive.

Resvalo pelo que me esconde a essência.

Traduzo porões. Engulo cicatrizes. Repito erros. Disperso-me, feito estátua de mercúrio.

Uma palavra me perde. Um juízo. Uma cruz. E os limites me alcançam, famintos.

Sou água, escorrida na semente. Não brota ela. Broto eu, no sangue do dia. Todos os dias.

Vertente invertida.



Eu, aquela que ardia.





26.07.2011 - 03h54min

Obtuso-me

Invado devagar
devagar salvo as palmas
devagar não vou

fico.

Arrisco muito
quase tudo
e muito me afasto
quase de todo
no instante seguinte.

Não agrido
repito devagar
ao vagaroso ouvinte
o silêncio que petrifico.

Afundo
o beco.
Rasgo a hora.
Licencio a pergunta.

Mas a resposta não.

São redondas as pilhas de acertos
que eu não fui.

Estremeço e adiante sigo.

Eu
comigo.





26.07.2011 - 03h23min

Coleção

Coleciono palavras
intrusos vocábulos
substantivos vários.
Nos vãos dos espelhos
autorizo as frases
e adapto os dizeres.
Choro fácil
de lágrimas engolidas a custo.
Fácil rio
e amontoo vírgulas
misturadas a letras
matizadas de sal.


Coleciono palavras
nos olhos
nas pontas dos dedos
na saliva
nos ditos perdidos
e nos que não dou.


Só pra provar
quem manda

eu sou...






26.07.2011 - 02h43min

Encruzilhada

o mundo já não gira
vira a cabeça de lado
lança os ventos nas vestes
cambaleia nos sobrados
o mundo dá cambalhotas
meu corpo fechado anuncia a hora
agora tudo à volta importa
as portas abertas são livres
as liberdades, proféticas
o mundo abre as asas
canta no alto das árvores
e abraça as ruas estradas e trilhas

que eu não abri


no meio da encruzilhada
descubro um mundo
que não sei



26.07.2011 - 02h20min