Eu sou, sem nunca ter sido eu.
Ou talvez tenha sido um pé e uma cabeça.
Um ET invertido.
Uma invenção pela metade.
Um soneto sem rimas.
Uma planta engasgada
na garganta do Planeta Azul.
Eu sou, sem nunca ter tido eu.
Ou talvez tenha tido uma fé e uma cachaça.
Um elo dividido.
Uma saturação da verdade.
Um lamento com cifras.
Uma raça enganchada
na bainha do firmamento anil.
Eu sou o fio de cabelo
do Corcunda de Notre Dame,
o cisco no olho do profeta louco,
a folha rasgada do livro maldito,
a Bíblia dos desesperados,
a prisão dos aflitos,
a caneta vazia, esquecida na mesa gelada.
Eu sou a tela clara
a tinta escura
a cor espremida na teia de aranha
que não escalou o Everest
mas que conhece o calor do verão
do lado de baixo da Terra.
Eu sou arrependimento
e coragem,
impertinência,
vertigem,
voracidade.
Eu sou a sexta-feira
do feriado prolongado
e a santa no altar da igreja abandonada.
Eu sou o guarda-chuva
e a chuva que te molha.
O canto escuro
o muro pichado
e a fumaça do talento
que disfarça
e não acontece.
Eu sou um nó
um eco
um pente.
18.06.2010 / 20h46min