quinta-feira, 29 de abril de 2010

Valor

Sofro meus passos
como se principiante fora
na matéria e no Cosmos
feito inconsequente literata
que trata mais de delírios
que de versos crus e raros.
Sofro meus atos
como se participante fora
d'algo grandioso e único
feito incidente de pleonasmo
feito diferença na multidão.
Sofro meus fatos
como se aceitante fora
na linha da vida riscada
feito faca translúcida
na palma de minha mão direita.

Sofro minhas esquerdas.
E pago o preço.
Alto.
Sem arrependimentos ou afins.
Pago.






29.04.2010 - 23h23min

Trago areia em minhas mãos...

... qual ampulheta,
que perde num ínfimo vão
o minúsculo grão,
assim eu perco meus minutos
plantando sementes de mel e paciência
num tempo que não é o meu
mas que eu finjo ser.
Um dia branco
é quase dicionário vazio
aberto
na pequena âmbula
sem óleo
sem olhos
sem sinônimo algum.







29.04.2010 - 23h07min

Das palavras. De novo. Outra vez.

Mais de uma vez escrevi sobre as palavras e suas armadilhas.
Mais de uma vez escrevi sobre as palavras e seus mistérios.
Mais de uma vez escrevi sobre as palavras e suas aderências.
Mais de uma vez escrevi sobre as palavras.
Dá-me vontade de rir dessa sede que tenho
de dizer o que me provocam as palavras
essas insensatas bastardas
que teimam em querer se definir
a partir dessa minha necessidade de escrever.

Mais de uma vez escrevi sobre as palavras
e que outro instrumento mais provável poderia haver
que elas próprias falando de si mesmas?
Té busquei alternativas outras
interessantes e talvez com algum toque diferente.
Nada, porém, mais me satisfaz, que as palavras.

Inda que elas sejam usadas pra me enganar
inda que elas sejam usadas pra me ferir
inda que elas sejam usadas pra fingir o que de fato não é.
Instrumentos de tortura, afago ou fé
tanto faz, não importa o aprendiz
nem que o resultado delas
me seja outra cicatriz.
Há tantas em mim!
Outra, pouco faria diferença...

Mas as palavras riscam meus caminhos
surrupiam meus sonhos
deliram minhas veias
amaldiçoam meu futuro que nunca será.
E eu sei que é assim.
As palavras me enrolam
me amordaçam
me sequestram
e me matam.
Sim.
As palavras me matam.
Morro na boca delas todos os dias.
Pelo mal, mas, principalmente, pelo bem.
Morro pelo bem delas
que povoam meus pensamentos mais íntimos
e dançam entre as imagens mais queridas
e os sons que guardo pra mim.
E todas as minhas exposições.
Eu, publicamente nua,
sem pudor ou decência,
nas palavras que digo, que faço ouvir,
que defendo, que cuspo, que escrevo
inclusive nas que planto em versos
feito bordados de candura.
Eu, vestida só de sentimentos.

Mais de uma vez escrevi sobre as palavras
e sei que elas são vento...







29.04.2010 - 22h54min

Dia disso, dia daquilo, daquele outro, infinito...

Nada direi sobre as datas
a não ser que as tais se refiram
a nada que já esteja escrito.

Não gosto de datas impostas
que quase nada significam
a não ser
ser igual a ninguém.
Não, não errei.
Todo o mundo pensa ser visto.
Visto de fato, não é quase ninguém.

E então fez-se a data
muito esbelta e bonita
no sexto, segundo ou décimo dia
de um mês qualquer
que qualquer inventaria.
E o visto quis ver.
E o fato foi bem quisto.

Por isso mesmo
do que se convencionou ser
nada direi
mesmo que o seja.


Calarei.











29.04.2010 - 01h34min

Divagações

A voz rouca
de dizer as mesmas frases
o assovio apagado
de falar o mesmo nome
a mão firme de gelo
de plantar a mesma chama.
Um passo em valsa
organizado pelo arremesso
do falso espelho.





Pára!




Sem risco, que sentido há no mundo?







29.04.2010 - 01h26min

Desconjunturas

Lá fora a noite fria
um som distante de lua
uma quietude paciente
um não-sei-quê previdente.

Fui eu?
Foi a lua?

Quantas vezes deitei meus açoites
quantas coisas disse sem lei
quantos alfinetes enderecei sem porte
quantos livros deixei de ler?

Sopro a espuma insistente
do banho recém tomado
com cheiro de flor
e cabelo orvalhado.
O sono sem sonhos
traduz o momento.
No ar, a caneta vazia
dança.








Escrever será poesia?










O bar ameaça um movimento
e fazem falta antigas companhias
na luzinha crua da mesa vazia
trancafiada entre as tábuas gastas
que lentamente se diluem
e num único gesto excluem
os lenços batidos de feridas ex-postas
à condenação das massas.
Os cartazes explicam sem consistência.
Nada resiste à resistência
e se tudo é palha
o fogo é bandido
e a água é só o contrário dele.


Amanhã
festa e festa e festa
pra ver se o corpo atesta
o que hoje a alma adivinha.








No mesmo instante
gravado no pouco que resta
vida e morte
severinas ou não
de mãos dadas
e pés descalços
sem qualquer direção.







29.04.2010 - 01h12min