sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Indiscutível gosto

Gosto de saber
tua saliva a molhar-me as palavras
teus braços a dizer-me o dia
teus frutos a encantar-me presença.

Gosto de açucarar bandejas
estrelar teus feitos
enfeitar teus laços
teus encontros entre linhas
tua pele à flor dos nervos.

Gosto de notificar-te espelho
satisfazer-te os desejos
enlouquecer-te os juízos.

Enfim
de tudo o que te acende
o que mais gosto
é de mim mesma...




14.01.11 - 22h27min

Ininterrupto

Componho canções abstratas
do que suponho indispensável
aos dizeres das grutas
fechadas para balanço
nos fins de semana
das primeiras impressões
largadas nas calçadas encardidas
dos caminhos mil vezes trilhados
e outras mil abatidos
por fendas e decotes desconhecidos.

Aliso as madeixas
remexo nos bolsos vazios
procurando moedas de papel
e bilhetes rasgados de tempos idos.

Nada resta além da dedicatória
escrita às pressas
depois da exigência
depois de ontem
quando as esperanças foram outras
e os futuros se sabiam
obsoletos.

Ainda assim...


... a vida segue...



14.01.11 - 21h33min

Desculpas

E se alguma poetagem nova
me trouxe ao mundo desvirtuado
de tranças e sancas de lâmpadas verdes,

se algum pesadelo perdido
enrolou-se nos galhos da vida
de tantos solstícios amanhecida,

se algum pretexto eu tive
de longa efemeridade amanteigada
nas minhas próprias contradições absolutas,

se alaúdes me dançam
e perpetuam minhas sombras
nas madrugadas macias
de fantásticas conversas tantas
pautadas em descarriladas promessas
de aldeões mudos e tesos,

é que me sobram horas
de desenfreada criação
do que desiste de estar
na existência paralela
dessas minhas juntas

é que me doem os dedos
no grito por despejar d'alma
verbais artelhos

é que me assombram atavios
de vírgulas, agulhas e exclamações
que não diriam d'outros feitos
não fossem os meus olhos
secos de fantasmas
curtos de avisos
fartos

de expressão mútua.






14.01.11 - 19h32min

Transbordar-me

Listo as próximas ações
como quem sabe o que faz.

A mulher que me devora as entranhas
luta contra delírios escolhidos
nos quatro cantos dos meus círculos
esvaziados de crenças pagãs.

Licencio as próximas explosões
como quem se delicia.

A mulher que se derrama dos meus membros
ao diabo uma vela acende
aos homens oferece incêndios
descabidos de proporções homéricas.

Silencio as próximas explorações
como quem se digladia.

Lânguida,
transbordo-me...





14.01.11 - 18h23min

Aço

Teu dedo em riste
não pisca meus cílios
no vento fresco de ontem
que hoje engoliu o medo
de não saber dizer.
Sou coragem e valentia
no passo já dado
no próximo dia
qu'inda não apaguei
pra ver.
Não voei sem as asas
do oceano distante
que não nada meus tudos
nem planeja ombros juntos
justos versos errantes
que me amontoam
e liberam os elos
que os entrelaces
desfizeram.
Rio das circunstâncias
afogo nas águas das chuvas
os choques dos transeuntes.
Sou dimensão etérea
nas moléculas das metáforas
que inexistem sem mim.

Gesto impreciso
de descrever luas
e desenhar lombos duros...






14.01.11 - 17h57min

Montanha russa

O aderir das caldeiras
informa canções de outrora
embebidas de imaculadas autorias
mensagens urgentes de reflexos

que a gente não sabia
nem poderia saber.

Os armazéns guardam relíquias
de lembranças compradas com sangue
e susto amanhecido
pórticos de estrelas
e pontos estratégicos que não se leem
nem se transcrevem, deveras.

Para além dos mundos conhecidos
situamos insuficientes declarações
adivinhamos pedaços de segundos

que a gente não sabia
nem poderia saber.

Solto o cabresto
a queda é suspeita de crime
não-concluso.
A arma branca mora na língua

que a gente não sabia
nem poderia saber.

Mas dissemos
em alto e bom som
alardeamos a promiscuidade
de nossos sonhos
subimos ao alto dos morros mais altos
pra vertiginosamente
descer

e a gente não vivia
nem poderia morrer...





14.01.11 - 17h32min

Oráculo

O dicionário planta a ideia do novo espaço
trancafia os vocábulos mancos
nas páginas fechadas
da tua boca macia.

A barba por fazer
dos versos quebrados
no começo do que não houve
devido à geografia
planta um sabor de anis
aos irregulares plurais exatos
do que não dispomos
em monossilábicas vozes.

Aberta a porta da cozinha
tocam-se as pronúncias fechadas
das vogais repetidas por sopros
e difíceis conjugações carnais.

Somos verbos ambulantes
sintomas de símbolos errantes
sinetes de locuções adverbiais.

Nossos resumos nos prendem ao mesmo.

Nossos tremores nos consultam
e não facilitam as trocas
ao contrário
reforçam as fechaduras
disfarçam os deslizes
e permanecem nos sempre grupos.

Os roteiros em que nossos passos desligam
os casuais tropeços que nos causam giros
de mais de trezentos e sessenta graus
separam o que chamamos de correntes
do que queremos dos tórridos experimentos
que nos cercam
sem sossego nos dar.

A safra d'outro delírio
aguarda a colheita...



14.01.11 - 16h43min 


Desígnio

O plano era salvar o fio da espada
da cegueira total
enquanto os arcos do universo
uivavam luas e trilhos de cortinas
esvoaçantes de rasgos doirados de sal.

O plano era surtir o efeito contrário
nas telas sagradas de quadros antigos
pintados por magos e delirantes vazios
contrastes de drásticos limites
encovados nas energias d'outras mãos.

O plano era manter-se longe dos pecados
comuns aos fabulosos devassos
germinados nos ícones da rua apagada e crua
onde insuspeitas culpas latejam
e devoram o pouco da exatidão tida
ao longo das esferas celestes
jamais alcançadas ou conhecidas.

O plano era andar ao largo
ser nômade e odalisca
nas noites frias, nos exaustos dias
em que perpendiculares nuvens
trancam algodões maciços
de restos de lã de vida.

Permutar sabores
pincelar formas
pontilhar linhas
sobre os planos tidos
perdidos
n'alguma volta do caminho
quando o mais torpe desejo
foi o de arrancar-te o peito
e dele fazer-me um berço.







14.01.11 - 15h36min

Caminho

De todas as trilhas abertas
sons de mensagens perdidas
assuntos crispados nas pedras
perdas acompanhadas de acintes
a melhor visão de ontem
é a canção de risos
nos espelhos intactos da vida
os tapetes de noites mal dormidas
insônias por bons começos
impertinências na boca do tempo
que passa
que passa
que passa.





14.01.11 - 14h18min