quarta-feira, 25 de março de 2009

Papiro

Escrevo.
Desconheço o limite
onde começa o delírio
onde termina a ilusão.
Escrevo.
Escrevinho mentiras
e açoites e afoitos rumores
de coisas que não haverão.
Escrevo.
Descabelo a noite
e a água fervente
na chaleira vazia
sobre a mesa oval de corda.
Escrevo.
Decoro as formas e os rumos
e as exatas medidas
que eu não soube escolher.
Escrevo.
Desato as gravatas dos nós
que não furam as agulhas
emperradas das máquinas
de costura de lavar de correr.
Escrevo.
Desabo sobre os dedos
cerro os olhos e as janelas da alma
e de todas as minhas posturas
vãs.
Escrevo.
Creio no frio da navalha
descrito no seio da linha
que corta teu rosto
e sangra teu peito
nu.
Meu grito.
Meu consolo.
Meu lamento.
Cru.
25.03.2009 - 21h

Here or Hero? (não-herói, mas aqui)

E eu aqui,
dê-lhe escrever em branco nas páginas turvas de uma vida incógnita. Pra que toda essa luta? Pra que toda essa verve? Se os pássaros morrem nos ninhos e as liras não tocam mais que uma nota mínima por dia? Pra que toda essa lisura de dias acesos nas bordas de um sol sem pontas pontiagudo mito? Pra que toda essa candura se os treinos não levam à taça se os pacotes se abrem vazios e os instintos são facas de corte? E eu aqui, dê-lhe permitir um instante de solidão... 25.03.2009 - noite

Peremptório

Sou o resto eterno
de minh'alma mortal.
Imobiliza-se o instante
sob o piscar perambulante
de um único olho vazado.
Esvazio o cilindro de couro
e escuto as vozes distintas.
Não sei o que é o mar
nem as sereias e seus cantos
encantos certeiros
de navios pesqueiros.
Mas
alto lá!
D'onde surgiram as vigas
amareladas e puídas
que emergem de negras nuvens opacas
nos dias de azul celeste anil?
D'onde, a poesia melosa
que deita os dedos em prosa
e contradiz a malícia
o desperdício
a poderosa e intacta tontura?
D'onde os mergulhos no nada
as canções jogadas
nos cantos dos planos arredondados
que a gente nem discutiu?
D'onde a imagem heróica
de um deus paralítico
que desfez os cadarços
dos tênis importados
de um certo aprendiz?
E eu aqui,
roendo as unhas e os dias
enfrentando as fronteiras do medo
afrontando as paradas exigidas.
E eu aqui,
(dentro do soco na boca do estômago da noite)
sem saber pr'onde ir...
Tem alguém aí?
25.03.2009 - 20h10min

Psicodélico

Arrasto as tamancas o sol diário não adverte do perigo de fritar os miolos da dúvida em plena praça pública e a dívida acumulada escorre ralo abaixo da vida enquanto a apreensão se instala na cuca -iguaria de café colonial-. Exponho os argumentos na bandeja dos olhos. Exploro a barriga da aurora com gargalhadas inauditas. Expando as prováveis razões insanas da sanidade bem vista e não chego a conclusão alguma a não ser a mesma de onde parti. Qual é? Não sei. Não vi. 25.03.2009 - 19h25min

Impressionismo

Encerro as gavetas de núpcias inicio outro cacoete presenteio o pacote encerado com abelhas e papéis amanteigados. Mordo o pão amassado e o sangue escorrido do lábio não é o meu! Compactuo co'a licença poética e desvio dos significados rasteiros que oprimem os comuns. Sou poeira e vertigem e essa falta de curiosidade ou me leva à loucura ou quase me mata ou me extravia pra sempre. Poesia é lamento vertente de mundos ocultos instrumento de tortura medieval. Surreal. 25.03.2009 - 17h02min
*Foto:Salvador Dali e seu impressionante surrealismo