domingo, 16 de maio de 2010

Quem sou eu?

Sou a pedra de Drummond
que jamais chegou a ser
castelo de Pessoa
ou jamais chegou a ver
de Sísifo as mãos.
Sou letra redondinha
e fome de leão
carteira vazia
e voz de assombração.
Sou quem me alicia
língua queimada
fantasia.
Sou mesa posta para o jantar
e tristeza repentina.
Sou mãe, irmã, filha, avó
e cama vazia.
Sou manhã de luto
e luta inglória.
Afasia.
Sou feita de percevejos
e pontas de espadas frias.
Sou pimenta malagueta
no canto da boca do dia.
Sou quase nada
do que em mim havia.
Sou tropel, chapéu de palha
porta aberta, verso sem rima,
gaveta trancada,
chave pendurada
no esconderijo de onde
ninguém tem coragem
de pronunciar o nome.
Sou túnel e corpo possesso.
Sou veludo e enternecimento.
Sou cabeça, corpo e coração
separados de mim
para entretenimento
todos na palma úmida
da tua mão...


16.05.2010 - 20h20min
*Da Série - SOBRE QUEM SOU

O que eu sou?

Sou o tudo e o nada na imensidão do paraíso

montada num cavalo alado

unicórnio sem pousada ou sossego.

Sou um poço de desejos satisfeitos

e vontades não reveladas

segredos e milagres rotineiros

desses que ninguém enxerga

nem importância alguma dá.

Sou o passo depois do limite

e a interminável hora do fim.

Sou o que não se conhece

nem se determina

num toque sem instinto

ou num pretenso vazio.

Sou o que se apaga depois da vela acesa

e o som que não se mede

em acordes ou decibéis

ancorados na noite sem estrelas

ou raios de luz de manhãs maquiadas

de sombras e batons vermelhos.

Sou o que não se pensa

nem nas horas mais impressionantes

desesperadoras chances nas camisas de força

dobradas sobre as penteadeiras manchadas

de ilusões febris.

Sou o que não se ganha fácil

nem o que se derrete no fogo.

Sou corpo molhado de chuva

e chuva seca de lágrima

sem motivo aparente.

Sou parente do impossível

e o rasgo na folha de hoje

que pinta meus olhos de azul petróleo.

Sou serpente e sonho à solta

nos campos de trigo seco

pronto para a colheita .

Sou ingresso para o inferno

e fim de inverno de monotonia.

Sou tia do encontro

e prima-irmã da alegria

mas só quando durmo

e meus sonhos me levam

pra onde eu queria.

Sou o fim antes do começo

e a história nunca escrita

no papel de seda rosa

que embrulha o Presente.

Sou vôo de árvore

nas asas da ave-guia

e bengala de cego colorida

mal comportada ponta de flecha

presa no cabo da maçã

de uma certa utopia.
 
 
16.05.2010 -  19h37min
*Da Série - SOBRE QUEM SOU