segunda-feira, 27 de junho de 2011

Do escrever

Escrever é endireitar as curvas
ou torná-las mais sinuosas
depende do quanto dance teu lápis
ou de quantas palavras
vertam do teu sangue quente.
Escrever é buscar perguntas
nos pontos finais das palavras.
É arrebentar nós já desfeitos
e disfarçar dores assustadas.
Escrever é pescar um sonho aqui
um limite logo adiante
uma história perdida no halo da lua
ou contar as estrelas todas do país.
Escrever é rodear mundos
desbancar certezas
e expor as veias abertas
não da América Latina
ou dela também, por certo,
mas antes e principalmente
da tua própria face.

Oculta
(te)?






27.06.2011 - 21h36min

Extrema Unção

Se a minha poesia te agarra pela garganta
dá um nó nos teus olhos
amarra teus tornozelos
e paralisa-te os pulmões,
comemora!

Onde encontrarás maior beleza
que a de benzer com poesia a hora fatídica?



27.06.2011 - 15h40min

Quintana e eu

Quintana não gostava de pôr data
às suas poesias.
Nem precisaria: a letra de Quintana
como o próprio poeta, era eterna
e, como eterna, de data não precisaria.

Por isso dato todas as minhas.
Como eu,
elas partirão...






27.06.2011 - 15h08min

Extremamente fácil

Dizem os entendidos
que é fácil fazer poesia.

Fácil é plantar batatinha!

A poesia exige sangue
dieta equilibrada
(valha-me Deus!)
e muito conhecimento.
Não o sangue de vaca, bode ou galinha
no cruzamento da esquina
com pipoca, arroz branco e pinga.
O sangue das tuas próprias veias, todinho.
É esse que a poesia reclama.
Não a dieta de frutas, verduras e fibras
o cardápio bem certinho
e todas as calorias milimetricamente calculadas
e seguidas com rigor científico.
A dieta das letras inventada por ti mesmo.
É essa que a poesia reclama.
Não o conhecimento
que qualquer explicação resolve
contido, inteiro, num canudo colorido
no final de uma longa e bonita jornada.
O conhecimento galgado no olho
no fundo da íris manchada.
É esse que a poesia reclama.

Fácil, mesmo, é plantar batatinha.

Extremamente difícil é parir poesia.



27.06.2011 - 15h

Doença

Eu sofro dessas dores crônicas
a que remédio algum dá jeito.
Dessas que os médicos dizem ser nada
mas que te torcem, mesmo assim,
do lado avesso.
Pois são essas dores que me perseguem
e riem do meu sofrimento.
Elas vem aos bandos, as covardes,
e, traiçoeiras, atacam num repente,
sem direito a resposta
nem aviso que me prepare.
Atormentam-me as carnes
os ossos e as conjunções e conjunturas
se conjunturas em mim houvesse.
Não  perdoam fim de semana, dia útil ou  inverno
inventam a hora que querem
impedem o curso do momento
bem no momento chegado.
Não querem saber se estou sozinha
ou se ando acompanhada
se ainda não termina o dia
ou se é alta madrugada.
Chegam com força e em bando
as desgraçadas.
Elas, as minhas dores de nada...




27.06.2011 - 14h34min

Entender ou sentir, eis a questão

"Te ler é como sentir a tua presença
sem poder te tocar.
Sinto a força
mas não tenho capacidade de entender"





Minha poesia é pra ser engolida com copo d'água
leite ou cicuta.

Entender é perder o mistério
concentrar-se no que a inteligência mede
dar-se conta só da superficialidade.
Entender não está nos princípios
nem nos revezes
muito menos nas amizades.
Entender restringe os fatos
encaixota os portões
enraíza as imagéticas.
Entender impede a troca
porque estanque
enquanto sentir enternece
e expande.
Sentir traz de volta
arrasta o lenço
deixa rastros no tempo
marca indelével
digital só tua.

Tu, que sentes, sinta.
Tu, que entendes, desista.

Minha poesia é pra ser sorvida com aguardente
sal e pimenta a gosto
pela pele dos que não entendem.

É pra esses o meu delírio.





27.06.2011 - 14h

domingo, 26 de junho de 2011

Tu

Tu dizes o que de mim
os olhos expostos atraem
os brilhos os sopros os infinitos cais
as heresias e as milhares de ousadas fantasias
nas prateleiras perfeitas
do minuto quente de agora.

Tu és o que de longe persiste
na minha mais complicada trama. Tu
és a paciência dos anos idos
o mantra a cura o pedido
a centelha que se aplica
ao bordado da vida que continua.

Tu és o que de mim me aguarda
na calma noite sem janelas e fria
a umidade anelada a crina a carne crua
o ponto de começo a velada sintonia a partilha.

Malícia.


26.06.2011 - 16h32min

sábado, 18 de junho de 2011

Epígrafe

Mancho a folha vazia
escarneço do sistema
libero o estado de sítio
violento o instinto
açoito o sentimento
alimento a continuidade
num espaço que desconheço:
o da mente sã.







18.06.2011 - 01h20min

terça-feira, 14 de junho de 2011

Ou não Ser

Eu sou um livro ao avesso
sem capa, prefácio ou chocolate.
Frase inacabada
no meio da mordida acesa.
Sou a parte de dentro
a língua molhada
a cabeceira inversa.

Eu sou um livro rasgado
arrastada linha paralítica.
Umedecido segredo
fala interrompida
intuito de fechadura.
Sou passagem obrigatória
no caos do escuro.
A fuga
a febre
a fúria
da ponta dos dedos.

Eu
editora dos meus medos.






14.06.2011 - 21h48min

Fernando Pessoa

Se eu fosse Pessoa, faria versos. Mas Pessoa
houve um só.
A mim
restou ser leitora dos verbos de outras gentes
parentes dos deuses das letras
moradoras de terras distantes
i
nal
can
çá
veis
estrofes horizontais.
Se eu fosse Pessoa, faria versos.
Mas Pessoa houve um só.




14.06.2011 - 21h

Tempo, tempo, tempo, tempo, tempo...

É sempre hoje.
No meu colo
a caixinha de sonhos
com que Pandora
me presenteou.
Inútil entulho
nas minhas mãos vazias.
Se o tempo é sempre hoje
de que me vale sonhar?
Passam as horas
no relógio parado na estante.
A estante
o relógio
os dias
estão presos no tempo de hoje
como eu
e a caixa que Pandora
a grega
ousou me presentear.




14.06.2011 - 20h35min

domingo, 12 de junho de 2011

Escrita

Escrevo minha poesia
em linha de papel amassado.
Compactuo com o silêncio
consumo a prática da letra
entre as esporas do dia.
Minhas feridas são lágrimas
nas vírgulas que desdobro
dessa folha azulada.
Os olhos que me espreitam
buscam deslizes
acima dos medos
além dos dizeres
encontram meus pontos
costurados nas filas
recém riscadas de espelhos.
Refiro-me aos limites
e às esperas dos desenhos
que meus versos
haverão de ressuscitar.





12.06.2011 - 21h59min

Confidencial

Escondo a fonte d'água
nenhum olho alcança o estrado
de pontas de vidros
que percorrem meus passos
pr'esquecer as trilhas abertas
na última hora da colheita.
O ponteiro insuspeito
alimenta o curso
da parede nua
surpreendentemente lisa
apesar das pontas dos pregos
nas linhas escuras dos minutos
que arrastam as correntes
das horas
dos silêncios
dos pálidos segredos.





12.06.2011 - 20h37min

Rasgo


Sempre insuficiente tempo

Presente de grego

No bolso da vida

Breve, muito breve suspiro

Sopro de sofreguidão

Interrompido susto

No âmago da vida

Corte brusco de navalha cega

No que se pretendia vasto

Vaga sensação de infortúnio.



Cuidado ao guardar lembranças

Risos, assuntos, assombros

Embrulhados na caixa de Presente

Que se recusa a ficar no Passado

Inda que a queda a tenha estraçalhado.



Nada que doa, me vale a pena, poetaria Pessoa

Enquanto minha poesia é quase um gemido

De todas as perdas de todos os anos idos

E do último verão, congelado no derradeiro frio

De um inverno que custa a passar

Doendo-me muito mais que as juntas

Torcendo-me as entranhas

Estranhando-me os pensamentos.



Ainda assim, nenhuma mácula atinge

O profundo que não é ouro

Mas vale mais que qualquer brilhante.

Ainda assim

Ninguém nem nada preenche

O espaço vazio

Que assim ficará

Té que a terra cubra esses meus olhos

Que tocaram os dedos do impossível

E por ele devorados foram

Sem direito à réplica, súplica ou desistência

Sem direito algum

Além do gosto de alumínio

Na porta dos próximos anos.







12.06.2011 - 20h






quarta-feira, 1 de junho de 2011

Movimento

S2

Danço no espaço vazio
como quem pinta um quadro
louco
de espelhos e espinhos
e cataratas e esquadrinhamentos.
Arrumo a cadeira na ponta da lança
balanço
o anzol de cartas vermelhas
adonadas de riscos de um sol desmaiado.
Rodopio na quina de um degrau
que arremessa os próximos instantes
pra longe das obviedades
suspensas
as plantas dos pés esvaziam
as portas de um mármore raro
e espantos
e poesia.




01.06.2011 - 22h20min

Cansaço

S2

Sou uma mulher cansada
os cansaços pesam-me na garganta
nos ombros, nas pernas, joelhos e braços
circulam-me os tornozelos
e amarram meus passos.

No entanto, há em mim um descanso nato
um não-sei-que de leveza
mesmo nos tornozelos amarrados
uma certeza de que a garganta
se haverá de abrir de repente
depois de um beijo teu.





01.06.2011 - 01h