domingo, 28 de fevereiro de 2010

Dar-se

E lá derrete o ponteiro do relógio
no suor do corpo desnudo
sobre as tábuas do assoalho gasto
o sal o tremor o gemido
e todas as lembranças do ato
suspensas no breve suspiro
do outro
que dorme ao lado...






28.02.2010 – 23h03min

Da Arte, essa princesa

A Arte é essa dor que me rasga a alma, 
e caminha comigo, 
afrontando meus estigmas, 
enfrentando todos os alguéns 
que atravessam minha garganta fechada.
A Arte é a maciez do toque à deriva, 

a palavra relevante jamais dita, 
a luz ofuscante que meus olhos cegos não vêem.
A Arte é meu deus, 

meu Eros, 
meu Zeus, 
meu prazer, 
minhas tarefas diárias todas, 
escrevinhadas na parede da sala de visitas
onde eu não quero estar.
A Arte é o reles cisco no olho das fadas 

que não existem 
e de cuja existência a bailarina e o príncipe desconhecem,
mas suspeitam, 
quando passeiam pelas minhas veias, 
secas de sangue puro.
A Arte é meu médico, 

minha alma, 
meu homem. 
O poder que me desvenda e 
a explicação que eu nunca tive. 
A cegueira que tateia meu corpo e
a força bruta que determina minhas escolhas. 
A régua que traça linhas tortas na
minha vida toda descoberta. 
O livro que me telefona na
madrugada e o bêbado 
que eu não suporto, 
preso às pontas dos meus dedos, 
cambaleando na folha virgem.
A Arte 

é a mensagem que recebo diuturnamente, 
e que não entendo. 
A resiliência que me acompanha, 
apesar dos meus protestos 
e frequente cansaço.
Arte é vida. 
E eu vivo nela. 
Ricamente vestida de emoção intensa. 
Pra sempre.














28.02.2010 - 14h

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Mulher



Eu não sei o que sou. 
Só sei que gosto de homem 
(demais!), 
de poesia, forno e fogão. 
De proteger, mas também de ser protegida. 
De acalentar, mas também de ser acalentada. 
De ficar em casa, com todos os intermináveis afazeres domésticos 
intermináveis que estão guardados 
dentro das intermináveis paredes de qualquer lar. 
E de sair, pra conquistar um espaço só meu
o maior possível. 
E de voar, com as asas que a segurança me presentear
para o mais longe que der.




Eu gosto de homem, de poesia, de forno, fogão e aventura.
De transformação e de permanência.
De tranquilidade, crise e solidão.
Eu gosto das algemas dos anéis e do frescor da liberdade.
Eu gosto da crise dos homens.
Eu gosto de ser mulher.







27.02.2010 - 23h

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Sensualidade


Comida oriental
um toque sensual
poesia entre os lábios
um livro entreaberto
sobre os joelhos nus.
As pontas dos dedos
a pele tocam.
Os versos arrepiam.
Um colar de contas e sonetos,
no pescoço dança.
A penumbra,
tua silhueta abraça.
Calor no ar...











25.02.2010 - 19h55min
(Uma centelha oriental. A pedido....)

Pensamento em tempo real



A lucidez é pura loucura! 
A razão não existe. 
A existência é só um traço mínimo 
na amplidão do Uni-verso. 
Um verso único, 
sim, 
sem rima ou descrição. 
A discrição há muito abandonou meus sonhos. 
O delírio é meu companheiro 
e eu sigo às cegas pelas ladeiras que só descem na prata da casa. 
A casa que me habita. 
A habitação que me guarda. 
Guardiã de todos os meus esconderijos. 


Cicatriz.


26.02.2010 - 0h15min

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Barata

Matei uma barata. 

Lembrei de Kafka 
e de Clarice.
E matei a barata, 
mesmo assim. 
Homenagem às histórias bem escritas, 
às baratas fictícias, 
aos dramas e às ilusões. 
O bicho verdadeiro é nojento e
nem um pouco interessante, 
ao menos pra mim, 
que nada entendo de entomologia.

Cá entre nós, 
as tranças que ligam 
livro e vida são 
pura poesia.


Toda a poesia desse coitado cotidiano custoso da gente...





25.02.2010 - 22h55min

Atitude



Eu queria ter chutado a utopia, e a reinventei... 

Do balde, fiz uma panela, 
pra esquentar a sopa de pensamentos, 
que me deliram e
me misturam à turba. 

Eu, invisível.









25.02.2010 - 0h27min





terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Intrínseca

Publico um sem número
de palavras vazias
esquisitices de grande valia
pr'essa instância em que me encontro
bem no início da meada
ameaçada de extinção.



23.02.2010 - 22h28min

Cacofonia

Nas lentes de aumento
avalio o corpo estranho
de estudos concretos.
Acertos
intentos
opostos existentes
insistentes remorsos
inconclusos portos
impostos por outrem.
Parece que foi ontem...
e lá se vão os anos
e os panos rasgados no meio do caminho.

Enlouquecer é vestir-se de vermelho
sangrar pra sempre e de vez.
Carregar os casacos nas costas
caçar borboletas azuis
sem pé nem cabeça exposta
sem bolhas nem calos
sem sais ou grandes abalos
sem raio de luz.
Saem de circulação
os pensamentos corretos
viram as mesas os vibratos
os mil absurdos
enlouquecidos
insanos
exaustos
vis.





23.02.2010 - 22h20min

Selo

A qualidade que eu quero
só existe porque inventei
um outro jeito um outro cheiro
um outro sonho qu'inda não sonhei.
Não quero os acadêmicos
nem as construções contadas
como favas certinhas
e bem alinhadas.
Eu busco o maldito
o marginal
o devasso
o confuso.
Eu quero o poema não escrito
e a lua nunca pronta
pintada num olhar de namorados
longe de serem artistas.
Eu quero a luz da vassoura da bruxa
no rastro da floresta
que transborda magia.
Ah!
É isso!
É o que eu quero!
Essa louca,
a poesia.




Aos 50 minutos do dia 23.02.2010

Situação

E eu
encantada como ando
escrevo dizeres de borboleta
perco meus olhos
te encontrando.


Aos 45 segundos do dia 23.02.2010

Ais

Ai, essa saliva
os rastros das pedras
os alpendres
as raivas
os lemes
os pentes
jogados nos pelos
os apelos
as penas
e os prantos.
Ai, essa salva
de palmas
e prontos espelhos.
Ai, essa solvência
de pensamentos soltos
na neve que gira
e vira raio de sol.
Orvalhado.




23.02.2010 - 0h34min

Feminina

Acho que é quase herança genética
essa coisa que briga dentro da gente
essa visão de ser mulher. 
E confesso
eu gosto dela. 
Gosto de saber-me atrelada ao forno, 
ao fogão, à saia, à sedução...
Gosto de saber-me dona dessa coisa
que só a mulher tem
de convencer o outro
daquilo que ela quer. 
Gosto de saber-me exata
em todas as minhas inexatidões.
Só não gosto da confusão que fica na minha cabeça
o tempo todo
o todo inteiro
quanto a tudo o que eu penso
e que é fruto dessas minhas escolhas
que dependem também da tal herança genética
dita antes
e que mora em mim.


Ai.


E eu não sei o que fazer desse mim...






Aos 7 segundos do dia 23.02.2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Partida

Tudo vai...
Tudo geme.
Todas as linhas são trens.
Todos os ais moram nos homens.
Que vão.
Que voam nos vãos dos trilhos.
De quem?
Ai...


Geme essa tua dor de adeus
sem leme que te guie
sem guarda que te guarde
sem rota que te acompanhe
ou torne diminuto esse teu reclame.

Treme essa tua dor no adeus
tem um aceno e um remédio
um que de estrela, um certo breu.

Tomba essa dor pr'adeus
pranteia a soma do que se perdeu
sem sombra de dúvida ou quimera
quem dera,
quem dera.

Tudo vai...
Tudo geme...
Tudo treme
nas linhas de trem
que além de ais
nada têm.
Quem dera,
quem dera...

Ai...




22.02.2010 - 23h32min
A partir de uma foto de um dos álbuns
de meu amado amigo Adrebal Lírio.
Fonte de permanente inspiração.

Outros tantos

Um tanto de certeza
um outro tanto de ilusão
e as brumas vão desenhando
palavras de boa impressão.

Um tanto de loucura
outro tanto de razão
no sangue misturam tortura
nos lábios inventam paixão.

A capa de chuva na esteira
estreita os ossos da face
força o peito na retirada
rotula o leito de morte.

Encantos são linhas débeis
cruzadas nos dedos do dia
amores são ventres estéreis
curvados nos olhos da cria.

E o que dizer da errante e linda
caminhada da poesia?
Nada. 
Sobre ela, silencia.
Deixa que se transmute em soluço,
em canção, em dobra de papel,
talvez até em gota de lágrima,
ou talvez um pingo d'ouro
valorando o infinito.









22.02.2010 - 22h32min

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Orquídea



A vida é recheada de surpresas
doces surpresas de rimas
reinos de pétalas e luas
versos curtos de sutilezas
sensações leves e alegrias.
A vida.
Essa certeza.




18.02.2010 - 23h06min
Simples assim

Futuro

Alisarei os cabelos
Pintarei os olhos de cor-de-burro-quando-foge
escreverei um mea culpa
aplicarei botox na alma
mentirei sobre minhas intenções
destruirei minhas construções
desistirei da cura
procurarei por ti...


17.02.2010

Eu, de novo, em mim



Eu sou uma mistura de mundos
e uma mistura de 'mins'
mil palavras emaranhadas
emaranhados de muitos 'sins'.
Eu sou o que não sei
talvez apenas o que sobrou
ou o que ainda não inventei.
Eu sou meio confusa
todos os dias da minha vida
e meio obtusa
nos outros que ainda não vivi.
Eu sou metades rasgadas
das pessoas que passaram por mim
e outras partes de mercados
das andanças que fiz por aí.
Eu não sei quem eu sou.
Se canto meus delírios,
sou rouxinol.
Se choro minhas dores,
sou anzol
preso à boca do tubarão faminto
de carnes
das minhas carnes expostas
que eu guardei pra ti.
Eu sou meu umbigo
meu ventre e meus olhos
tudo junto
e sem demora
suspensos num arame farpado
manchado de sangue
do teu sangue velado.
Eu sou o sono que não tenho
e a vigília que desperdicei
na hora em que deveria descansar.
Sou a areia escorrida
dos dedos molhados e oleosos
do mar poluído 
o único que conheci.
Eu sou meus ouvidos aumentados
e a lua que apaga
o brilho do sol pálido.
Eu sou um respingo de tinta
ou talvez um beija-flor pintado
na tela do artista anônimo
na página do livro não lido
jamais editado.
Eu sou o fracasso e a luta
a guerra e a bem-aventurança
a vitória e a lembrança
de tudo o que haverá de vir.



16.02.2010

Muda

Eu quero mudar minha cabeça.
Talvez deixá-la espetacularmente oca, 
sem eco nenhum além do extraordinário silêncio. 
Eu quero mudar o meu corpo. 
Talvez deixá-lo maravilhosamente translúcido, 
sem um ponto sequer de contato com o mundo. 
O fundo do poço sem fundo.
Eu quero mudar os meus olhos. 
Talvez torná-los assustadoramente rasos, 
folhas brancas desnudas.
Eu quero mudar os meus versos. 
Amuar minhas letras. 
Amparar o túnel no fim da luz.
Calçar luvas de espelhos.
Eu quero mudar meu andar. 
Envergar as pegadas na areia da lua 
que eu construí pra mim 
e nem sei se existe de fato.
Eu quero mudar de posição, 
mudar de opinião, 
mudar de casa e de língua. 
Quero mudar as referências e as aparentes penitências 
às quais me submeti.
Eu quero mudar minha pose de força e 
ser o caco quebrado, 
quebrantado, 
da ponta da foice de face cortada.
Eu quero. 
Quem disse que consigo?



12.02.2010

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Três eus


I

Sou vassoura velha de piaçava, daquelas que as bruxas usam pra voar. 
Só que não sei voar... ainda não aprendi, mas vou inventar...



II

Eu sou um verso em construção, que desandou, e virou dó.

Dó de pena, dó de maior, dó de talvez, quem sabe um dó de doer,

ou ainda e piedosamente, um dó de violino marrom.

Ouve.

Eu sou um dó manco e calejado de crases e frases pela metade.

Um dó cantado.

O avesso de mim. 

Eu-verso.

Dó.

Não.

Mim.




III

Eu sou a que não dorme.

A que vela teu sono

no clarão da vela acesa

orvalhada de luz de veia aberta.

A luminescência desse teu sono

que me incendeia

e mais me desperta

a vontade de poetar.

Eu sou a insone

a madrugada muda

a impertinente manhã

que não chega.

Eu sou o impossível descanso

a dor permanente

e insuficiência do alívio.

Eu sou a que perambula

constante sonâmbula

de traços fecundos

e de intrigantes, do rosto, maçãs.

Ah, isso foi só intuito

pro ritmo manter

nada mais além...

Eu sou tudo o que deixei de ser.

Trafico versos amargos

costuro ilusões fáceis

falseio argumentos inúteis.



Eu sou a que degusta estrelas
desgosta dos apelos

e arremeda pesadelos vários.

Sou a que estremece orvalhos

e se deixa vencer.



Eu sou a que não dorme

sou a que desmaia

a que quer desaparecer.







 Escritos entre as 19h do dia 11.02.2010 e as 3h30min do dia 12.02.2010

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Desaforo

Amasso os papéis
rabiscados de números
de telefones de terceiros
e de limites de horas
de conversação.
Escuto as campainhas
estaladas nos calcanhares
da sombra que me aguarda
nas prateleiras da cozinha
ao lado da geladeira
de ferver solidões.
Todo dia encontro
um pano solto de algodão
nas madeixas de um raio de sol
que se enrosca aos meus olhos
e por instantes cega minha imperfeição.
Sou dever
alinhamento e linho cru
chama de vela extinta
qu'inda alumia
lentamente
essa minha poesia.






09.02.2010 - 20h45min

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Explicação

Tu entendes tudo errado
desse meu lado sombrio.
Quando eu digo sentir frio
não é casaco que eu quero
fogo ou fornalha
quero é que teu braço me alcance
e que esse sol raro
seja apenas e tão somente
tu e eu
sem drama ou súplica
de nenhum lado
naturalmente.
Quero o terço bizantino
do padre Marcelo
pendurado no meu louco ciúme
embebido em água benta
(três vezes te esconjuro!).
Eu quero pão com nata
bolo de milho e MuMu
café quente com leite
e serenata de lua cheia
pra ver estrela cadente
e gosto de chocolate branco.

Tu entendes tudo errado
e eu não canso 
de tentar
te explicar...





08.02.2010 - 22h

Libertá









Liberdade é saber 
por experiência própria 
que o céu não é o limite.
É cavalgar estrelas e 
mergulhar espumas, 
como se nada além houvesse.
Liberdade é deitar e 

levantar sorrindo, 
chorar quando as 
lágrimas quiserem dizer 
ter medo do prazer 
aprontar cobertas de nuvens e
decidir escolher 
de que lado da lua se pretende viver.
Liberdade 

é não dizer palavrão e 
inventar coisas que já existem 
como se novidades fossem 
e vibrar com elas, 
surpreso, 
criança em dia de Natal.
Liberdade é uma bolha maior que a Terra, 

só que essa não esquenta, 
nem polui, 
nem abriga em si gente normal.

A liberdade é anormal.













08.02.2010 - 21h33min

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Desejo

Eu quero descobrir outros caminhos. 
Perambular por olhares. 
Invadir espaço alheio. 
Assuntar universos outros, 
que não o meu. 
Do meu ando cansada. 
Exausta da mesmice 
de ser o centro de nada. 




Eu quero voar.










01.02.2010 - 15h32min