terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Fui

A saída nem perfume deixou
só uma porta aberta
vazia de todo.
Um dia o retrocesso
tua volta não conta
com a porta aberta
e o interior vazio
de todo.
Não estarei mais
no mesmo lugar de sempre
como sempre esperando.
Fui.









12.01.2010 - 16h33min
Depois que se é feliz
só se pode ser triste.
Nenhuma outra opção existe.

Sou

Eu sou a cicatriz que te horroriza
o dedo em riste que te acusa
a sentença que te absolve.
Eu sou teu não arrependido
e tua fuga diária
teu assunto mal resolvido
e a resposta que te apavora.
Sou teu endeusado demônio
tua sobrevivência mal vista.
Sou teu busto e tua crença
teu cristo amargo
teu regresso
teu desejo de vingança
teu solstício.
Sou teu primeiro desperdício
e tua próxima distância.
Teu mistério e tua invasão.
Tudo o que não ousas dizer
tudo o que pensaste em vão...





12.01.2010 - 15h56min

Encarnação

Se outras vidas vivi
homem, fui boêmio
de tuberculose morri.
Mulher, talvez invisível
dessas sem história
ou rastro ou perda
que valha a pena ver.
Secretária, talvez.
Talvez feminina feminista
de coldre na cinta liga
nada deixando a desejar.
Talvez tenha lido
A Paixão do Jovem Werther
e de uma corda feito colar
ou esfregado o chão
d'algum castelo secular
sem jamais chegar a conhecer
nem príncipes nem fadas-madrinhas
nem em cavalo alado cavalgar.
Se outras vidas vivi
talvez tenha criado ovelhas
talvez inda em criança morri
talvez um artista
que o mundo está por descobrir.
Feiticeira consorte espiã assassina juiz
freira escrava médico louca soldado meretriz
mensageiro do rei profeta cocheiro infeliz
do feudo, o senhor-escravo-raiz.
Talvez arrogante
talvez pacifista
linear ou não, cínica.
Talvez daí a falta de sono
a falta de apetite
a falta de superstição.
Talvez daí a sede louca
permanente cansaço
profunda solidão.
Daí, talvez, a muda agonia
a ferida no peito
a confusa desilusão.
Dessas vidas que me habitam.
Das vidas todas que vivi.


12.01.2010 - 13h13min

Talvez

Um dia falaram comigo
disseram de coisas
que eu não sabia
nem poderia explicar.
Contaram estrelas
mostraram tambores
zombaram dos rumores
pisaram esferas
falaram horrores
criaram raízes
abriram o peito
rasgaram as dores
descruzaram os braços
apontaram culpados
provaram inocências
construíram sabores.
Um dia mostraram os seguintes
com todos os requintes
com todas as cores.
Não foram presságios
nem frias bobagens
os arrepios nas bagagens
ou os algodões nas mãos.
Vieram em duplas
depois se desfizeram ligeiro
arcos de pura razão.
Um milímetro de movimento
numa fração de segundos
nada mais eram
que ilusão...








12.01.2010 - 03h15min

Os outros

Eu vejo gente
que duvido que morta esteja
e que tenho absoluta certeza
de que viva não está.
Eu vejo gente
pacífica
levando o tempo de um jeito
que não entendo bem qual seja
ou talvez nem deva tentar.
Eu vejo gente
pra cá e pra lá
o dia todo
toda a noite
verão e inverno
céu e inferno
ou clara manhã.
Essa gente fala ri anda resvala boceja corre sorri surpreende passeia compreende
e eu não tenho medo
nem tento ter.
Eu vejo gente
que morta não está...




12.01.2010 - 03h

Só por hoje

Sem inspiração, perambulo pelos cantos
dos círculos abertos por meus punhos.
São pontos de pastagens que eu não vi
ou intervalos de linhas nas agulhas dos olhos
que eu não pressenti. Não sei...
Calculo o tempo gasto na procura
do que eu jamais soube se existia
talvez o fato nem seja esse
ou seja só mais uma partida. Não sei...
Imponho uma opinião da qual nem tenho certeza
e assino voluntariamente a minha saída
de tudo o que desconheço
de tudo o que até então esperei.
Sem explicação alguma
fico à deriva
presa fácil de abutres
e outros quês nem tão hostis.
Retiro as declarações desnecessárias
e as conclusões precipitadas
que os sinais me levaram a ter.
Mentirosa fumaça.
Disfarçada promessa
que sempre soube não existir.
Amarro os sapatos.
Penduro os grãos de trigo.
Vasculho meus porões.
Removo quaisquer insignificantes sobras
do que ainda poderia haver.
Lavo a alma.
Repito o mantra sagrado.
Acordo.
Não aceito mais sonhar.
Vou viver.







12.01.2010 -  2h46min