domingo, 27 de junho de 2010

Ausência

EU DEIXAREI QUE MORRA EM MIM O DESEJO

DE AMAR OS TEUS OLHOS QUE SÃO DOCES

Porque nada te poderei dar senão a mágoa

de me veres eternamente exausto

No entanto a tua presença é qualquer coisa

como a luz e a vida



E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto

e em minha voz a tua voz

NÃO TE QUERO TER PORQUE

EM MEU SER ESTÁ TUDO TERMINADO.

Quero só que surjas em mim

como a fé nos desesperados



Para que eu possa levar uma gota de orvalho

nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne

como uma nódoa do passado.

EU DEIXAREI... TU IRÁS E ENCOSTARÁS

A TUA FACE EM OUTRA FACE.



TEUS DEDOS ENLAÇARÃO OUTROS DEDOS

E TU DESABROCHARÁS PARA A MADRUGADA

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,

porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei a minha face

na face da noite e ouvi a tua fala amorosa



Porque meus dedos enlaçaram os dedos

da névoa suspensos no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência

do teu abandono desordenado.

EU FICAREI SÓ

COMO OS VELEIROS NOS PORTOS SILENCIOSOS



MAS EU TE POSSUIREI MAIS QUE NINGUÉM

PORQUE PODEREI PARTIR

E TODAS AS LAMENTAÇÕES DO MAR,

DO VENTO, DO CÉU, DAS AVES, DAS ESTRELAS

SERÃO A TUA VOZ PRESENTE, A TUA VOZ AUSENTE,

A TUA VOZ SERENIZADA.





Vinicius de Moraes


















27.06.2010 - manhãzinha

Orinoco

Orinoco, deixa-me em tuas margens

daquela hora sem hora:

deixa-me como outrora partir despido

em tuas trevas batismais.

Orinoco de água escarlate,

deixa-me mergulhar as mãos que retornam

a tua maternidade, a teu transcurso,

rio de raças, pátria de raízes,

teu largo rumor, tua lâmina selvagem

vem de onde eu venho, das pobres

e altivas soledades, dum segredo

como um sangue, de uma silenciosa

mãe de argila.

 
 
(Pablo Neruda)
 
 
 
27.06.2010 - alta madrugada e dois ebooks de Neruda, abertos, diante de mim...
 
'(...) Talvez não vivi em mim mesmo, talvez vivi a vida dos outros.


Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre - como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.

Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta'. Pablo Neruda