quinta-feira, 29 de maio de 2008
Companhia
Ele dorme.
Adormecido entre os lençóis
é quase um ente
é quase um estranho
entregue a sonhos
que não posso alcançar.
Descansa as provas
das procuras por padrões
que estilhaçam as vidraças
e os fundos das lembranças
guardados a sete chaves
em chaveiros ovais.
Ressona entre os travesseiros
a cabeça pesada de sono leve
feito operário feliz
no primeiro dia de greve.
Greve de insônia forçada.
Por mim.
Eu, responsável pelo cansaço
e desalento do seu corpo.
Eu, acostumada a atravessar
horas escuras e insanas
enquanto todos dormem,
e que obrigo a companhia
abençoada de/por/com ele.
Hoje ele dorme
e eu suspiro.
Amanhã,
ambos acordaremos.
29.05.2008 - 02h09min
Desabafo
Estupefata fico
quando meus olhos veem
o que decerto não é certo
o que decerto é do mal semente.
Tonteio pelas alamedas da vida
quando a mão que dá, reclama
quando a mão que recebe, rechaça.
Questiono meus valores
opiniões, desgastes que evito
ou que procuro, em meio a questões
jazidas ou recém paridas
nos hospitais das almas que me cercam
e que se intitulam donas de saberes exatos.
(Que será isso, meu Deus?)
Queimo em meio às labaredas
das línguas malditas
que se dão o direito e o crédito
de saberem o que existe por dentro
do cara que atravessa a rua
e carrega o estigma que atesta:
bandido! (sem nunca ter sido).
Revolto meu estômago sensível
ante a poluição de mentes duras
que julgam ser esta a suprema ditadura:
a de quem não tem mais nada
além da própria opinião,
diversa dessa podre maioria.
Desabafo.
E volto a ser aquela que observa
e que promove, se não muito,
ao menos um tanto de aflição
nesses tais que são
por incrível que pareça,
apenas meus semelhantes.
29.05.2008 - 01h26min
Acordo
Eu queria um acordo com a vida:
acordar de uma hora pra outra
e descobrir-me 'encontrada'
por mim mesma, por ti,
por esses teus olhos escuros
de madrugadas pagãs.
Eu queria um acordo com a vida:
um giro parado no Globo
uma geral paralisia.
Só eu. Só tu. Donos de nossos movimentos.
Nenhuma testemunha invasiva.
Eu queria um acordo com a vida:
uma canção qualquer
a passear em nossas línguas.
Um torneio de dizeres inúteis
tão fartos
tão vermelhos
quanto uma suculenta maçã amadurecida.
Eu queria um acordo com a vida:
um único sono sem sonhos
uma eterna noite dormida
em que meus dormentes membros
estivessem presos aos inclementes
membros teus.
Eu queria um acordo com a vida.
E ela me atendeu.
29.05.2008 - 01h17min
Vingança
Minha vingança é a poesia.
Vingo-me da desesperança,
vingo-me do enternecimento
que me toma sempre que há de ti
nas ruas, nos cheiros, nos sabores
que adivinho nos meus sentidos
como premonição provocada
por um outro, que não conheço.
E escrevo.
Rasgo a folha, rasgo a vida,
rasgo a roupa que me cobre
as entranhas passionais.
Fervem-me as veias
e as velhas perguntas
sondam minhas cicatrizes
como se não bastassem
os corvos, as diretrizes
e os curiosos, que fuçam
meus rastros e querem
e precisam e clamam
pra ser um tantinho de mim.
Ou ter. Ou roubar. Ou invadir.
Ou tomar. Ou ignorar. Ou...
O lápis corre sozinho
sobre as linhas escurecidas
da agenda "milenar".
São milhares de confissões veladas
e lidas como literais.
São pombas, são gravetos,
são escadas soltas nos quintais
da vida.
Dessa mesma vida que dividimos
nos segundos em que os mortais
parecem mortos em seus berços.
(Esplêndidos?)
Dessa mesma vida de que tenho sede
e que cedo a vez todo dia
em que só o que quero
são teus olhos
postos sobre mim.
Aos 53 minutos do dia 29.05.2008
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