terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Defeito

Sem manha
coxeio entre as linhas
manco
tonteio
erro a mão
risco
começo de novo.

Poetar é mais que dizer
ou diferenciar
ou arrefecer.
Poetar é dar-se conta
dos defeitos que a letra tem
podar as vírgulas
regar as circunstâncias
não explicar, com prazer.
Poetar é dobrar neblinas
e encontrar solução
onde já não há.
É assim, num repente,
descobrir-se doente
de amor
essa doença bem lida
nos versos que cá entre a gente
vamos bordando
emprestando sabor.
Poetar é apaixonar-se
sem medo ou cuidado,
permitir-se a entrega
virar rima e balanço
na pétala de uma flor.

Sem manha
coxeio na folha
e reconheço meu defeito:
nasci poeta
por amor...






14.12.2010 - 20h34min

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Resenha

De capa a capa
o encarte arde
dessas ardências de leve
despertar de muitos sentidos.
Roupas fechadas
bons tratos de letras.
Palavras.
Algumas tão nobres
que bem mereciam
um ritmo mais lento.
Ainda assim
o encaixe perfeito
anima os ouvidos.
Preciosa pedra do rock.









07.12.2010 - 13h44min

Passeio

As ruas casam Travessas
consideram nossas mãos dadas
debaixo da garoa fina
no banco descascado de verde
entre vendedores ambulantes
e palhaços de pernas de pau.
Sem guitarra de grife
as violas caipiras repetem
o mesmo som mil vezes ouvido.
Os saltos das sandálias
descalçam as lentes
altura de desejo
pintura de photoshop.
(Eu lembro de cada vírgula
dos pontos, do espelho)
Espumas de desenhos
na capa de raro CD.






07.12.2010 - 13h35min

Confissão

De repente
não sou mais eu
sou todos os verBos
que me brotam desordenados
impacientes medidas
rimas soltas
complexas ou simples
- pouco importa -
nessa minha Lista
de poemas urgentes.
Todas as letras
querem brilhar teu nome
colorir o que depois de ti
só pode ser experiência.
E a minha mão não dá conta
de cantar o que me transborda.
Não sei d'outros assUntos
só teus olhos
teus caminhos
tuas roupas
teus risos
me são rios de motivos
e plantas de fraturas
do que antes de ti
mE foi mais do que suficiente...






07.12.2010 - 05h55min

Laço

E se a lã do sol
quebra a noite fria
raios de nylon descolam
as unhas e as energias
pra compartilhar de sonhos e euforias.
Essas mesmas
que inundaram as avenidas
os bares, os movimentos, as testemunhas
do que pra nós foi mais que estrela
Universo desenhado em domínios
os teus e os meus
finamente combinados.





07.12.2010 - 05h31min

Diferença

As manhãs continuam geladas
polainas de lã
nas canelas frias
cortante som de pássaros
desafios.
No entanto, há qualquer coisa
que não conheço
que difere do de sempre
que eu sempre tive.
Suspeito
seja a tua lembrança.




07.12.2010 - 05h23min

Despedida

Todas as despedidas
deveriam ser assim
sem dor
nem lágrim'alguma
sem precipitação
ou palpitação outra
que não a d'uma
algodoada saudade.
As despedidas
acenos leves d'alegrias
vividas
por isso mesmo merecedoras
da mais tenra harmonia.





07.12.2010 - 05h02min

Vestígios

Apagar outros vestígios?
Que vestígios
se desintegraste toda possibilidade
d'outras existências
que não a tua?






07.12.2010 - 4h45min

Simples assim

Eu quero a matéria prima dos meus versos
essa mesma que eu toco
e que dissolvo sobre a folha
feito experiência química
na física do que me proponho:
ser tua, eternamente...



Nos primeiros 11 minutos do dia 07/12/2010

Realidade

Não
sonho não foi
foi vida e valor palpável
maciez nas marcas
e aspereza nos fios.
Não
sonho não foi
foi sentimento exposto
pra ser impresso na mente
e ali permanecer.

Sonho vivido
vira palavra
poesia fervida no pulso
servida em porcelana importada
e-terna
em sua fragilidade
frágil
em sua infinitude.



Aos 5 segundos do dia 07/12/2010

Ó, meu pobre, meu grande amor distante,
nem sabes tu o bem que faz à gente
haver sonhado... e ter vivido o sonho!
(Mário Quintana)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Possível

Long Play dos sons dos risos
ridos nas madrugadas
em que os vizinhos desejaram
a morte de nós dois.
E se os plantões nos sonham
e os futuros aceleram a saudade,
a lembrança mantém vivo
o edredon macio e mudo
nas letras das canções
declaradas com A no começo
princípio de estado das coisas sem peso
prazerosamente ligadas
pela beleza do dia D.





06.12.2010 - 23h50min

domingo, 5 de dezembro de 2010

Fetiche

Chegaste antes ao nosso destino compartilhado
e ao ponto final da tua partida.
Eu vim depois
inda que antes tenha nascido.
Entre nós, as estradas estendidas.
Mãos dadas.
Inusitado enlaçar de nossas vidas.
As minhas preferências, e as tuas
em Porto Alegre a acolhida.
Nenhum outro
tão perfeito encaixe.
Nossas dobras
de quilômetros separadas
agora já não são mais duas
são juntas ou separadas
uma única e branca névoa
pelas tuas mãos macias validada.

Tu chegaste antes
manchado com meu sangue
de carne crua.

Recitar poemas ao pé do ouvido
cantarolar, no meio da rua
sem saber de que lado fica a lua
se em teu olhar de feitiço
se em meu poder de mulher nua.

Fetiche.





05.12.2010 - 14h12min

Histórico


Outra forma de poesia...


Porto Alegre já não é a mesma. Agora, o cheiro dela tem um fundo que eu conheço, e que foge à maioria, exceto aos poucos que nos viram juntos e adivinharam que, da minha pele, era o teu suor que escorria.
Aviões, ônibus, táxis, transeuntes, panos de fundo de uma história que não se inicia, já que quase aniversaria, mas que se alimenta das tuas pupilas, nas minhas satisfeitas íris.
As ruas andaram em câmera lenta e até os minutos, inimigos de todos os amantes, compartilharam e condescenderam dessa nossa alegria.
Os vizinhos, ou odiaram, ou sorriram, complacentes. Viver de amor é sucesso garantido, de um lado ou outro do contraditório sistema de assuntos do dia.
Nada mais lindo que a tua barriga, molhada de chuveiro, depois das minhas marcas, tatuadas nos teus pelos.
Pelo jeito, Porto Alegre se encolhia, nas últimas madrugadas quentes, em que teu corpo me continha, e eu compunha versos incoerentes e balbucios permanentes, na tua orelha, atenta de mordidas.
Palco de madura energia, a cidade que me pratica respeitou a ansiedade do primeiro início, suco de sopro esperado, que nem eu, nem tu, evitamos viver.
Depois do conforto, o sossego, medido a palmos, insuficiente, por ser infinito.
E se foi apenas um breve fim de semana, não tão breve foi teu beijo, ainda plantado na minha garganta, na despedida.
"Voa e canta, enquanto resistirem as asas"*, concretizada transformação alquímica, do que já foi vidro, e que o Guaíba, os corredores de ônibus e as avenidas, testemunharam virar real diamante.
Porto Alegre já não é a mesma; na pele dela escorre agora a tua gota, e a minha.
Sem reservas.
Só venturas.







05.12.2010 - 13h15min

*O VOO - Menotti Del Picchia

Bem

Tantas pontas nuas
nuances de espátulas
e plantas de pés descalços.
Tantas horas confirmadas
nas felpas dos fios
nas plumas dos lençois
manchados com meu sangue
curados com teu sal.
Feitiço feito a ferro e tempo
exigido nó presente
na capa do disco
qu'inda não ouvi
(por isso, invento).
Meu nome no teu grito
argumento único da tua chegada.
Sensação de prazer cumprido
na mancha no chão do quarto
testemunha da tua doce investida.
Teu sono tranquilo.

O fim não termina
quando anuncia o novo começo.

Na despedida
recuso a tristeza
saciada que me sinto
de alegrias.

Outros planos
diferentes dos já tidos.

Pontas de barbantes molhados
vasos de estrelas
posições estapafúrdias
contas que não fecham
- nem deveriam -.
A união faz a força da energia.
Urgência resolvida
agora é cuidar da lembrança
e
assim
à distância
permanecer alimentando
o mais bonito dos meus dias...




05.12.2010 - 12h45min

Adonada

Ser tua.
Ter teu fôlego
beber teu sal
suar a exaustão tida.
Rir do medo
saciar a fome
lavar a ferida.
Nascer sem dor
a planta da vida.
Provocar soluços.
Oferecer guarida.
Ser tua.
Sem sentenças
sem reservas
sem malícias.
Multiplicar minutos
alternar lados
lubrificar a sina.
Ser tua.
Ajoelhar mantras sagrados
salivar teu nome santo
na minha língua molhada.
E, na tua,
ser eu,


despida...











05.12.2010 - 12h20min

Furor

Alcançar o ponto exato
é quase queda abísmica.
Adentrar segredos insondáveis
é produzir outros tantos
assuntos de guitarras
e sussurros, murmúrios e beijos.
Minhas sandálias calçam teus braços,
meus apertos, laços prenhes
de leite vivo e espasmos.
Sou qualquer coisa fora de mim
que te arranha
às entradas da casa
e supõe as pressas
nas afiadas garras da cama.
Deito teu ombro em minha cabeça
teus odores aguardam meus cheiros
perfumes de toda nossa espera sofrida.
Alimentar os alcances
é fúria de fome
do que de fora veste
posto já estarmos donos de dentro
dos lados e a postos
para mais uma cartada do destino.
Renovadas forças
de renomado poderio.
Amor de fúria.
Heavy Metal...




05.12.2010 - 12h

sábado, 27 de novembro de 2010

Sexta-feira

Recupero meus humores
muito embora meus versos
estejam indefinidos
entre uma e outra ansiedade
que desfio, desde sexta,
quando meus risos ganharam razão.

Desde sexta, meu sexto sentido aguçado
anda alvoroçado
dançando metais de algodão
rareando os efeitos contrários
enfeitando os acordes, as guitarras,
os anéis, as correntes, os acordos,
as cordas que amarram as minhas vertentes
às tuas.

Não é só a tristeza que me impede a letra
essa satisfação que me atinge a'lma
me deixa muda, paralisa-me os dedos
enrijece-me o verbo.

Não escrevo.
De repente, minha poesia é um sorriso
e ele me basta.
Desde sexta...







27.11.2010 - 22h39min

domingo, 21 de novembro de 2010

Revista Pausa: Entrevista com Maicknuclear:

Revista Pausa: Entrevista com Maicknuclear:: "

Avenidas

Avenidas são sombras de dúvidas
abertas diante das nossas fuças
funcionadas lembranças liberais
signos de esteiras
e estreitas entradas paradoxais.
Nem sempre suposições reais.
Nem sempre opções possíveis.
Talvez poesias mal terminadas
ou sequer pensadas
ou não?
intencionais.




21.11.2010 - 18h18min

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Parabólica

Rumino perguntas
destilo respostas prontas.
O que vês é meu corpo
instrumento de sopro
das vozes que me rondam
e que inventam a poesia que lês
assinada pelos nós dos meus dedos
mas não por mim
posto ser de fora de mim
que me nascem os versos feitos.
Feitio de esporádicos espasmos
minhas formas ensinam
insinuam teus membros
nas minhas curvas expostas.
Janelas de vidro fosco
sem freios temperados
futuros escalpos dos dias
que não foram de ninguém
para além dos limites estabelecidos.
Proposta tua.





15.11.2010 - 17h47min

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Admiração virá atração

DO VERSO SEM RIMAS OU ACENTOS


PINTADOS POR TUAS MÃOS DE RENDA

FIZ ORAÇÃO E ENCANTAMENTO

ATRAIO UM POEMA

ADMIRO UM RISO

PRENDO UM COLAPSO

LIBERTO UM DESEJO

SE COMENTO A GULA

E RISCO UM LIMITE FRONTEIRIÇO

É QUE TE QUERO HORIZONTE

DO VERSO SEM RIMAS

SEM ACENTOS

MAS COM TUAS MÃOS DE QUEIXO

NAS CURVAS DOS MEUS VERBOS

PENSAMENTOS.

 
 
 
 
10.11.2010 - 02h08min

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Eternal

Não sigo teus passos de perto
providencio outros caminhos
literalmente avaros de ideias.
Ideais são as compressas
de gelo seco e de entrevistas
que visam conhecer-te os olhos.
Árduo monumento impróprio.
Ampla conquista de sais.
Sacra arte perdida
nas curvas dos tempos de agora.
Tu, escondido nos meus dedos
dedilhado nas pupilas dos meus olhares
inventado nas dobras da minha cintura
criado, a partir da canção que eu ouvi.
Tu, que eu desconheço os apelos
apesar dos pontos suspeitos
e das entradas diárias nos meus lamentos
lançamentos de dardos incendiados
de trufas e torturas magníficas.
Não consigo teus traços dispersos
mortos na guerra que eu faço
pra te manter assim mesmo
dentro dos limites que te imponho
pra proteger minha pele
do vício que me serias
caso tivesses a faculdade
de me alcançar.






08.11.2010 - 02h05min
http://www.youtube.com/watch?v=d8RYUZT57XA&feature=artistob&playnext=1&videos=WSaOV-exwhI

Ex-vi

Se hoje faço poesia
é que a folha me define
nas letras dispersas que aliviam-me os medos
e incendeiam meu futuro mistério.
Se hoje rasuro linhas
entre uma e outra costela fraca
sanciono alicerces de plástico
em botões de rosas rasgados.
Lúcidas conferências imaginárias.
Confiro tons de lilás às promessas
e recolho restos de rupturas passadas
pra não ficar completamente nua de memórias gastas.
Se hoje despejo versos
nas alamedas aleatórias sem prumo
é que me impedem as convenções
de convencer d'outras formas
além das estrofes tortas e sem rimas
que eu tento desiludir de antigos ranços.

(Não se engane comigo.
Não sou assim tão lenta
nem tão linear vai o que sinto.
Esperneio.
Impeço a distância.
Inoportuna é a sã mente.
A loucura me ronda).

Se hoje destilo poesia
é que meu veneno tem pimenta
e meu doce te aninha
nos fluidos do corpo que desejas.

Cuidado comigo.
Eu mordo.
E permaneço.





08.11.2010 - 01h38min

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Trabalho

Escrevo uma linha
um verso partido
no meio da folha vazia
desenho um ponto qualquer
traduzo a expressão
ranjo um par de dentes
revelo inconsequentes
distorções de imagens
desconto os erros
e descanso do fato.

Não sei onde estarão as próximas letras
se na ponta da língua de um desconhecido
se no cruzamento de irritantes cobranças
ou se nos lençóis amassados de depois.

Não importa.



Aos 58 minutos do dia 02.11.10

domingo, 31 de outubro de 2010

Adiante

Recolho as pilhas de sonhos
das prateleiras de livros
onde guardei as folhas soltas
dos poemas não escritos
dos soluços não contados
dos primeiros versos vistos.
Revejo os atos.
Os interesses revisito.
Reencontro sustos e imprevistos.
Improviso um jardim inteiro
pra próxima estação.



O convidado?
Não sei.





Nos primeiros 45 minutos do dia 31.10.10

sábado, 30 de outubro de 2010

Curso

Mudo
se antes segui por aqui
atravesso o desfiladeiro
e desfilo as vestes
no ponto azul d'estrela.
A guinada é o avesso do raio
que eu construo na linha
que me permito cruzar.
Mudo
e te faço me perder de vista
eu mesma me perco.
Abandono o posto.
Recupero o pulso.
Saliento.




30.10.10 - 18h34min

Queda

Seguem meus passos
os raios de um sol sem lei
os fantasmas de um começo
enfurecido de trapos alheios.
Salientam meus equilíbrios
os 'des' dos ditos
e os restos das proteções montadas
em cavernas mal cheirosas
e em pratos raspados de alimentos crus.
Suspiram minhas perdas
os prantos dos meus olhos
e as plantas dos meus trôpegos pés
os esquerdos
os tentáculos
os remendos
risos esquecidos nas pálpebras
rios de pedras e pontas de lanças
esperas vãs
espetáculos comprados
nas palmas das mãos dadas.
Doadas horas
de estreitas precauções.





30.10.10 - 17h41min

Delírio

Antes e depois dos limites
as sombras encolhem entranhas
entrelaçam suspiros
corroem e colorem estrias
nas estreias dos começos.
Vestidos esvoaçam nos varais
das calçadas entrecortadas de olhares sangrentos.
Há verbos dançando no ar
e línguas ferinas
abrindo feridas
comparando fraquezas e fatos
nas frestas e réstias de luz dos orvalhos.
Orelhas dependuradas nos brincos das luas
pintadas em desenhos de criança.
Nem tudo é disfarce
nem tudo solidão
nem todos os cobertores deitam a cabeça na pedra
nem todos os dedos dedilham canções.
Somos estardalhaços ou estilhaços de vidas
perdidas nas pedras das trilhas
abertas entre alvoroços de versos
e partituras de velhos amigos
transformados em papel cartão.
Somos incompletos
e a incompletude dos meus braços
desfaz a incompreensão dos teus.
Somos inconclusos
e a inconclusão dos meus passos
descruza a invasão dos teus.
Somos insossos
e a insensatez dos meus rasos
desdiz a intrusão dos teus.
Somos nada
e ao nada nos recolhemos
todos os dias
às apalpadelas do absurdo
às aparências do que  já não é.
Nem poderia ser.




30.10.10 - 17h23min

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Independente?

"Eu não sei cadê você, não sei eu, porque? Eu?"



E se as razões se avolumarem
e os desencontros se multiplicarem
e as flechas não acertarem o alvo específico?
Nem todos os mapas tem os caminhos exatos
ou as trilhas perfeitas
os quase quatro anos
intervalos dos sete
ou as não tão grandes diferenças
que medem os medos. Estáticos medos mudos.

E os olhos se perdem de vista
na vastidão do mundo.

Há imagens que não se apagam
e vestígios de passagens que fixam
os Vestígios
e as Passagens.
Há presença
e permanência única.
E há o instante.
Esse mesmo que se repete
a cada minuto
e não admite perder
nem a lembrança
nem o reflexo
nem o Espelho nosso de cada dia.

E há um Eu
que eu sei em Ti.

O resto me foge.
Fumaça em campo aberto.
Chuva de verão passado.
Fogo em palha seca.
O resto me engole.
Vomita minha carne intacta.
Expele minhas vontades.
Devolve meus defeitos.

Mesmo assim
eu sei cadê eu
e sei tu
porque em mim
nada é provado
ao contrário do que se pensa
e ao avesso do que se espera.

Eu?





28.10.10 - 03h31min


quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Forma


 
Se alguém perguntar quem sou
diga ser eu um verso solto
sem autor.
Silhueta perdida
sem dó
sem piedade
sem opção alguma
além da farta palavra.




27.10.10 - 02h29min

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Mortalha

Voo pela sombra. 
Esfumaço os telhados . 
Inconscientizo-me. 
Amanhã? 
Não sei...






01h58min - 26.10.10

Nenhures


Socorro meus brios
no único piscar do minuto
pertencente ao que de mim
não é meu
nem aqui descansa.
Absolutamente resolvida
desligo minhas culpas
e sigo em frente.
O sol queima as retinas do dia
desloca as sombras pra longe
revigora os perdões
que evitei de contar.
Encontro um portão de ferro
viajo num sonho perdido
povoo os cantos da casa
reconstruída pela metade
demolida em um mês.

Respiro.




26.10.10 - 01h39min

Ceia





Dos meus cacos
recolho as sobras
e as colheitas fartas
excluo as bocas e os olhos
remendo as costuras
e os passos mal feitos
e os mal amados, tanto faz.
Se não passo o falso
também não possuo.
Disseco a palavra
e não digo nada
além do silêncio que grita
minhas rouquidões
e meus estados de consciência
turva
táctil
texturizadamente fértil.
O assovio  não descreve
a decência que desconheço.
Desço as escadas
da forma
e da fortuna.
Questiono discernimentos.
Consumo estradas
conheço esgotos
conservo meus muitos nervos
nas pontas dos dedos medrosos
que cavam buracos na lua.
Sem Amanhã
resta-me Agora
o fino fio de instante
que cala a sádica matraca.
Sem prévio aviso
o céu da boca seca
i
n
ce
n
d
ei
  a.




Aos 48 minutos do dia 26.10.10


domingo, 24 de outubro de 2010

Verdades e/ou mentiras


Dar as costas à mentira
é desnudar-se
desproteger os pactos
deslocar os focos.
Dar as costas à mentira
é dispor-se à queda e
à lembrança contínua
dos detalhes dos fatos.

Aceito o preço.
Escolho a verdade.






24.10.10 - 15h




quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A cruz partida

A força da letra arrisca os centavos
e as dignidades
na esquina da multidão
sedenta da prata da casa.
A força da letra
enterra tesouros
descasca andorinhas
traduz pormenores
em linhas exaustas
pontilhadas de alfinetes
e regalias furtadas
de algemas antigas.
A força da letra
atravessa ponteiros
escala travesseiros
pinta fantasmas de preto
sacos de lençóis de ilusão.
A força da letra
mora nas minhas entranhas
estranha meus medos
muda minhas palavras
mais tacanhas
em tamanhos desastres aéreos.
Inesperada morte.
A força da letra
condena meus atos
aponta o dedo
regula, reclama, rechaça.
Sentencia.

Nos pregos, uma cruz.
ANKH!




21.10.10 - 04h44min

Mea culpa

Escasseiam os argumentos
quando só o que se tem
é um frasco de amargo ciúme.

Pesos e medidas diferentes
dependentes da condição crida.

Na extremidade da não-virtude
o precipício guarda a lágrima.

Algumas verdades são proibidas
sob pena de macular a esperança.

Direitos são descartadas reivindicações
quando ovos cobrem um chão de espinhos.

Situação de vidro, castigada com a morte.
E morte de cruz.
Mea culpa.
Mea máxima culpa.






21.10.2010 -  03h29min
Infringir regras é dispor-se a pagar o preço. Alto. Deveras alto.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Virtualidade

Vives a minha vida
meio de lado
clara sombra imperceptível.
Quando preciso de ti
onde?
Quando não
porque?

Vives a minha vida
de "revesgueio"
oscilando entre a ausência
e a ilusão de acompanhamento.
Quando pergunto por ti
onde?
Quando não
o que?

Vives a minha vida
só de letra
gravada na pedra que apaga
sem preciosidade alguma
sem cortante instrumento
além do que já sabes
e do que já acendeste deveras.
Quando procuro por ti
onde?
Quando não
em que?

Vives a minha vida
confortavelmente
sentado na poltrona em frente
sem intimidade
sem pestanejar de dentes
(sim, dentes pestanejam, ao ranger).
Quando padeço por ti
onde?
Quando não
pra que?


Responde!



19.10.10 - 02h59min

Anda pela sombra, essa minha insignificância II

Recolho-me à minha insignificância.
Desfigurado significante de olhos vazios
no absurdo de uma página quadrada.
As respostas ficam pra amanhã.

Vou pela sombra.
Pela sombra,
meus medos.
Pela sombra,
os roncos dos viciados em letras.
Pela sombra,
meus pecados.
Quantidades inúteis de vozes
caladas, antes dos ecos
responsórios de ansiedades
que não veem.
Silencio os dedos e as veias.
Roo um voo rasante.
Enterro os cílios.
Minto.
Morro.
Pra ressuscitar
amanhã
e depois
e depois
e depois
indefinidamente
borboleta opaca
atraída pela luz do sol
té que o calor derreta as asas.
Ícaro de cera sonhada
no equilíbrio entre a queda
e a mais pura perfeição.





19.10.10 - 02h46min

sábado, 16 de outubro de 2010

Endereço

Minha poesia está em ti

mora em teus poros
sua o teu suor
escorre pelos teus cabelos
e dança nos acordes da tua guitarra
nos anéis de caveiras nos teus dedos
na tua barba por fazer.
Minha poesia está
nos mais de cem versos que te devo
no ciúme controlado
no sotaque carregado
na linha do tempo que eu perdi.
Minha poesia está
na milionésima parte tua
a metade da metade da metade
a  que me pertence inteira
a parte mais ínfima
um quase nada
de todas as tuas frações diárias.

Minha poesia está em ti.






16.10.10 - 03h06min

Ne me quitte pas

("Fui Jacques Brel quando você se foi")


fui o sofrimento dele

o mesmo que escapou de ser dito

o mesmo que não pode ser traduzido

em língua alguma

pois fui isso

menos que nada

quando tu te foste

de mim.


Fui muito além da dor dita

ou da dor escondida

fui a dor desesperada

a que se crê maldita

a que se rasga

e que se odeia

essa mesma dor

que foi Suzanne Gabrielle

talvez "uma mistura de Brel y Pagliacci"

não tive tintas pra pintar o rosto

já que nenhuma permanecia

posto que as lágrimas apagavam

qualquer pintura, qualquer disfarce, qualquer fuga.

Eu fui A Dor

a solitária Dor de quem se sabe condenado

à distância e ao silêncio.

Eu fui essa Dor

promíscua.

Eu fui essa Dor

rasgada.

Eu fui a Morte

de mim.






16.10.10 - 02h50min

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Anda pela sombra, essa minha insignificância I

Recolho-me à minha insignificante
letra de mulher,
perdida n'algum ponto
entre a consciência e a embriaguez
de um verso sem rimas.
Vou pela sombra, feito cão perdido
em noite fria e sem luar.
Sem dono, sem folha branca
onde esvair os elementos
que fazem de mim quem eu sou.




15.10.10 - 01h15min

Movimentos

Eu gosto de surpresas.
Eu gosto do que não se pode controlar.

Um minúsculo espanto
um risco de sorriso no olhar
um leve franzir de testa
imperceptível mudança de traço
não-ensaiada
nem possível de repetir.
Uma Sempre Nova
explodindo dos poros
involuntariamente exposta.
Um jeito de mexer nos cabelos
um jeito de cobrir o rosto
com as mãos espalmadas
um arregalar de olhos castanhos
um movimento de íris
um dilatar de pupilas
uma indisfarçável ansiedade labial.

Eu gosto de surpresas.
Eu gosto do que não se pode controlar.
Eu gosto de instintos.





Aos 55 minutos do dia 15.10.10

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Profícuo

Madrugadas estéreis
suados sais compostos
de equilíbrios e corpos.
Nada dito
além de amenidades
e posturas de contas sem nós.
Trocas de esperas
tranças de lavas
sucessivos voos.
Vantagens.






14.10.10 - 19h

Compreensão

E se milagres acontecem
mil contradições chocam
os ovos da malícia.
Entendimentos à parte
somos metade da acidez dos campos
onde caíram cometas imaginários.
Não valem os tédios
dos aliados
dos repetidos
sempre os mesmos
sempre os iguais.
Evoluem as falas
e as filas aumentam
nos pontos cruzados das sortes
jamais conhecidas.
Adiante, as viagens
acumulam vantagens ilusórias
d'outros mundos
outras formas de vida
aquelas mesmas
acreditadas um dia.
Acreditadas
ainda.





14.10.10 - 18h

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Caminhante

Os sapatos calçam canções absurdas
deslizam ruas e ladeiras
enlameiam-se de estradas poeirentas
marcam os saltos nas pedras
das picadas abertas a pé.

Um Blues traz ondas de nostalgia
no couro do bico fino
no canto do quarto agora vazio.

No entanto
as respostas riscam as paredes
do que não se pretende esquecer.
Narram as marés de sorte e
estonteante metal noturno
às cordas violentamente dedilhadas.

A dança não precisa do corpo
nem de qualquer outra aliança
além da oferecida
sem dedos nem presilhas
sem larguras ou alimentos
que fortaleçam além da conta
o que por si só
já é exagero.

Descanso.






13.10.10 - 23h
(Obrigada por me devolveres, na ponta do teu riso, nas conchas das tuas mãos, "O" mote)

Consequência

Acostumo os olhos
à nova luz já conhecida
esquecida do que me revela
a fartura de gordas palavras.
Uma volta
nunca traz de volta o mesmo
mas o quase, o reconhecível,
o semelhante;
visto que os meses tecem frisos
nas fissuras das distâncias
nos passos já tidos
nas esperanças recolhidas
e secas
e obtusas.
Um sol recém nascido
planta a luz de um outro encanto.

Faz-se uma musa.



13.10.10 - 13h10min
(Vertente de versos, essa volta tua)

Deserto

Sem alma.
Inóspitos caminhos
iguais semblantes
ocre prazer.
Oca, a embalagem
exala conteúdo vazio.
O riso alheio soa mais alto.
O próprio, falso.
Nada completo.
Nenhuma melodia bastante.
Escolhas a esmo.
Anestesiados instintos.


Depois disso tudo
oásis...





13.10.10 - 13h
(A caminho do trabalho. De volta, a vontade de "dizer")
http://www.youtube.com/watch?v=_VSGm3Uv4Qc&feature=related

domingo, 10 de outubro de 2010

Again

O tique-taquear das horas impróprias
assombra a ausência das maiúsculas.
Um sopro de esperança no metal
o gesto conhecido e amado
perdido no espaço de meses
nunca de fato silenciado.
É possível.
Sempre será.






10/10/10 - 3h
*Data a ser lembrada. Try again...
Longe, o corajoso guerreiro acena. De volta...

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

In-saciável

O ar entra fundo no peito
rasga os caminhos
como rasga as entranhas
a pele estranha
que invade a espera
a mão beijada
desarma a resistência
delicado gesto
que define um Sim.
A estrofe seguinte é o Fim
sem pé nem cabeça
por conta dessa insaciabilidade
que ultrapassa o desejo
e transcende a fala
e o falo.
Fato real.



22.09.2010 - 01h21min

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Suficiente

Minha poesia mora n'algum lugar misterioso
sem sal e sem açúcar e sem pudor
desprovida de vestes e peles
desligada de letras e formas e símbolos
esquecida das convenções e regras e limites.
Minha poesia perdeu-se no último vestígio de ritmo
na casa seis da linha dupla na esquina clara
de um minuto que não volta mais.
Minha poesia migrou de mim
emigrou, imigrou, emagreceu,
exclamou um derradeiro suspiro
e voou...
pr'algum lugar misterioso
longe
longe
longe
impossível de alcançar
inenarrável
indefinível
.
Té que os princípios se bastem...



Aos 15 minutos do dia 08.09.2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Amarelo

Poças d'água molham sonhos
de liberdade e de padrões outros
opiniões e conceitos desprovidos de
voejantes folhas de outono escuso.

Respostas difusas
acompanham enigmas absurdos
e levantam outras questões.

Amanhã
as cores terão cheiro de sol...




06.09.2010 - 15h

Criação

Sem confetes ou críticas
pinga a poesia
do conta gotas d'alma...

Sem motivos ou estorvos
um verso solto
lentamente escorre
na página descalça...

Vai chover uma lágrima
no céu de setembro...




06.09.2010 - 1h22min

terça-feira, 31 de agosto de 2010

Perspectiva

Gosto de flor no ar
gesto de luz no canto da boca das manhãs
pausa nas plantas dos pés.
Outros mundos
descortinados no viés de um olhar.






31.08.2010 - 21h

Eu gosto do que acaba

Expiar é misteriosamente
descobrir-se vazio...




31.08.2010 -  20h

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Pleural

Expirar a leveza do novo
experimentar outros sabores
exprimir a ambiguidade da letra
exaurir à morte
elucidar o dia
engrandecer os limites

iluminar...






30.08.2010 - 23h55min

Plurais

Os passos sobre as madeiras gastas
desligam fumaças
transportam pastas de esforços vastos
avançam deslizes
suspiram soluços
provocam olhares
soam obtusos
nas rodadas de metros de orgulhos
nas dobras das toalhas esverdeadas
nas censuras dos beijos outonais.
Os pastos sobre os lastros
dizem de mundos
cobrem impostores
anseiam por flores plásticas

verdadeiras.






30.08.2010 - 1h02min

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Imagem

As unhas curtas da vida
arranham as costas do sonho.
O fundo é fruto evidente
de coloridos confeitos.
Incensos perfumam os fatos
raízes d'outras dores
e vôos rasgados de flores
de lótus
de lutas
de letras azuis.




27.08.2010 - 23h40min

Guia

Outras ruas
ruínas deixadas pra trás
terremotos superados
supostas derrotas mortais.
Dissipados os nevoeiros
lavam-se os pés dos deuses.
Irresistível movimento de luz.

Os sabores do vento...



27.08.2010 - 23h35min

Templo

Trancafiadas as asas
debatem-se as nuvens
as novas abandonam as férias
e os eclipses voejam
por entre as fibras dos dias.
Assentam as reentrâncias
as instâncias pacificam
as feridas cicatrizadas.

Um ninho vazio
é uma aventura começada...



27.08.2010 - 23h30min

Convalescença

Devagar, um passo manco sucede outro
escora as coragens
espia os laços antigos
forçados de abalos e cinzas e
parcas sanções.
Devagar, a dança toma forma e cor e
conteúdo.
A íris se pinta de pontas de lança
e a pupila, saltimbanco,
decifra o enigma.
Melhoras.





27.08.2010 - 19h48min

Razoável

Criar é entreter os sentidos
tornar um tanto mais leves os ombros
que carregam todo um universo
de espinhos e franjas de pontiagudas estrelas
as arestas das frestas dos prantos
cortadas pela raiz de um dia claro.

O avesso do que se espera
é sempre um susto
daí a paralisia...



27.08.2010 - 19h33min

Vanguarda

Sinuosa silhueta-lua
embebida em disfarce
forçada a rebentar algemas
partir-se em duas
dispersar-se.
Arisco penhasco
ponto final imposto
sobre um i riscado
na prataria da rendição.
Perder é fechar-se em copas.
Copular é abrir-se em mais.
Poesia.





27.08.2010 - 19h
*Depois de um "ulTImatum", o que mais pode fazer uma mulher, além de TENTAR  poetar de novo?
*Pediste, aí está...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

.








sou todos os extremos

amo e odeio apaixonadamente

o ódio é mais raro que o amor, mas, quando acontece.... nem queiram saber...

escrevo desenfreadamente

leio ilimitadamente

amo loucamente

mas quando odeio...

ah...

nem queira saber...

terça-feira, 20 de julho de 2010

rascunho um outro dia
adentro portas impensadas
invento miraculosas poções
que encantariam qualquer idiota
rio de mim mesma
e dessa minha facilidade
de sofrer
arranco os papéis da parede
onde jazem escritos
os horários passados
soo dois passos à frente
ando cinco pra trás
rumino intenções de tamancos
e publico um sem número de opiniões
sou devassa
e de grão em grão
mostro as entranhas
nada bonitas de se ver
apalpo as terras revoltas
sem cadáver algum pra chorar
abduzido
danço nos véus escuros
de um entrincheirado comentário
perdido entre meus dedos
de poeta iniciante
revolvo as águas e as linhas
dos anzóis lançados
pelas vielas de asfalto
construo uma ponte
que não escalo
escolho talos de pimenta
comprimo os cumprimentos
executo uma réstia
de sal
no prato vazio
da breve vida
que em mim restava
o começo é o avesso
do que trago de certo
o certo está no fim
e desse não entendo
nem aceito
nem revelo
assumo
amanhecer sorrindo não é um dom
é um sinal
de que algo vai ruir
talvez o sol
estrela prestes a inexistir
talvez a lua
pássaro de aterrador olhar
talvez a paz
desejo inacabado e nu
talvez a boca
fadada a calar
fadada a calar
fadada a calar
deflaga o gesto cru
decíduo
o epílogo já vem embutido
no gênese
o x da questão
é a habilidade de mascará-lo
não o x
nem o epílogo
nem tampouco o gênese
mas o ilusório
ser que vos fala
por detrás de um par
de cegos olhos azuis
aquele tímido raio de sol
atravessado na janela
ele
único
frágil
claro
transparente

é que me impede

o pulo
na roda dos enjeitados
as histórias rolam
precipícios
cujos fins ninguém sabe
ninguém viu
na roda dos enjeitados
espirais de fumaça
enfeitiçados serviços
distribuem senhas
de silêncios
shhhhhhhhhh
ninguém sabe
ninguém viu

segunda-feira, 19 de julho de 2010

me dê uma folha branca


uma lágrima engolida

uma gargalhada

um fio de meada

uma viagem

uma estrela

uma especulação

um ínfimo de solidão

talvez a ponta fina d’alguma ferrugem

uma umidade na janela d’alma

um gosto de mel

uma esfera

uma espera em vão

uma esperança malograda

um canto de sala

uma pétala de flor amarela

uma esquisitice qualquer

um soluço

um erro

um aperto

um aparte

um apartamento vazio

esperando a asa de uma borboleta sonhada

uma peça de roupa no varal

um pássaro triste

um riso de criança

uma frase sem sentido

um disco de pizza

um computador

uma bala de hortelã

um acidente de percurso

um brinquedo quebrado

um pulso

um pé de vento

um pó de asfalto

um fio de cabelo

um ombro

um amigo

um espaço

um espelho

um frio

um começo

uma gota de sangue

dê-me uma construção gramatical perfeita

um aparente não-motivo

que o resto eu desfaço

desfio em estrofe

oculto as razões

saliento os tecidos

nasço à felpa

domingo, 18 de julho de 2010

sucumbir à tentação da estreiteza


depois da lua e do sol tido

depois de todos os anéis nos dedos

e os digitalizados sorrisos

pintados no papel branco

poema amanhecido e interrogado

quanto às demências e falhas sofridas

ir assim morrendo aos poucos

feito folha outonalmente caída
atravesso pântanos mortos


pálidas sombras de lamas

e cultas leviandades vividas

são curtos os dias de tranqüilidade

são sonhos os campos elísios

inalcançáveis soluções bastardas

de assuntos forjados nas feridas

cruéis cicatrizes de dores tidas

nada além de enganos e mitos
deixa-me pensar na ilogicidade da poesia

no escândalo que é inverter os sentidos

e agarrar-se aos versos

como quem busca a cura

para os males desconhecidos

ou paralelo para os mitos conhecidos

ou só uma tábua de salvação

deixa-me andar pelas sendas da inocência

e usar rimas na minha canção

inenarrável aventura diária

que independe das parcas moedas

eventualmente tilintantes nos meus bolsos furados

independe de respostas amorosas

e de companhia mais digna

além da caverna de uma beleza vazia

o sal da história antiga

dá gosto à edição d’outros verbos

vocábulos d’outras línguas

sonâmbulos criados

feito deuses supremos

fagulhas de sinfonias supostas

jazz
já não me assusta andar só
sou risco e pluma voejante
costume de sombra dormente
nenhum resto de história pendente
nada que me impeça de seguir
adiante
sem respostas
as perguntas emudecem
mudam as visões
vistas grossas
intrusões
sem proposta
a óbvia conclusão
soma-se à estrada
já trilhados os caminhos
viram sombras
da voz que já não ouço
nem espero ouvir

sábado, 17 de julho de 2010

os livros
os filmes
as canções
companhias
personalidades próprias
presenças invisíveis
construções

quarta-feira, 7 de julho de 2010

História infantil?

O amor é um bichinho
do tamanho de um hamster
só que com força de leão.
Como tudo o que pulsa nessa vida,
ele precisa de alimento
pra energia manter.
Sem alimento, o bichinho enfraquece.
Fraco, adoece.
Doente, definha.
Acamado, delira.
Delirante, morre.
Morto, vai para o céu dos passarinhos.
Lá cria coragem e alça vôo
vira estrela e nuvem e colchão.
É o jeitinho que ele dá
de não sofrer eternamente,
em vão.







07.07.2010 - 02h29min
Um exercício de sono interrompido

Do amor, esse desconhecido

Antes e acima de qualquer coisa
acredito no amor.
Acredito na sinceridade do amor-mentira
que se disfarça de real, por pura diversão.
Mal sabe ele que, ao divertir-se, diverte, também.
E isso é bom.
Acredito na sinceridade do amor-eterno
ainda que a pretensa eternidade dure alguns segundos
alguns milionésimos de segundos
algumas partículas tão pequenas de segundos
que nem tem nome, tão minúsculas são.
O que é o tempo?
Acredito na sinceridade de quem diz se importar
e ao dizer só repete palavras gastas, já ditas
como se fossem pela primeira vez proferidas.
É uma forma de se importar, afinal.
Acredito na sinceridade de todos os amores que tive
de todos os que não tive
de todos os que pensei ter
de todos os que eu gostaria de ter tido.
De um jeito ou d'outro, todos foram meus.
Os de verdade.
Os de mentira.
Os que disseram adeus.
Os que não disseram, mas foram.
Os que não foram, mas também não ficaram.
Os que eu não quis, pelos mais diversos motivos.
Os que não me quiseram, por motivos vários.
Acredito neles todos.

Acredito tanto que sei que todos se esgotaram.
E eu jamais ousarei dizer
que não vivi.








07.07.2010 - 02h18min
Acordando, pra escrever

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Fissura

Um salto no escuro
a fonte engole a moeda
rajadas de vento investem
contra os vestidos...

Envergaduras ponteiam dissabores.

Cumpridos os ditames da natureza
os dias repetem ocasos.




Caos.








05.07.2010 - 23h23min

Bloguear

Um diário em versos
fácil de ler nas entrelinhas
se entrelinhas houvessem
armadilhas rastreadas
nas sucessivas rimas
das virtuais fotografias.
Tarefas cumpridas
providenciais desabafos.
A solidão solidifica os muros
as tintas absorvem os abstratos
quadros de empecilhos e romarias
disfunções assinadas
de rabiscos impressionistas.

Novas fases
alheias luas


sem precedentes...


Só mais uma ilusão...




05.07.2010 - 22h27min

Aleatório


Alçar vôo
dispõe às incertezas do acaso.
Há dias
em que é melhor ter os pés
bem plantados
no chão...






05.07.2010 - 21h57min

Insondável



Às vezes
um gole define uma pena
um quê de nada
um assovio
talvez uma piscada
e a diferença se faz
para o bem


ou



para o mal.


Abismo.









05.07.2010 - 21h12min

Menopausa

Círculos.
Ciclos que não se repetem.
Pausas.
Fitas maiores depois dos descansos.
Circuitos.
Ciclones impiedosos.
Pautas.
Outros sonhos.
Conquistas.
Circunferências.
Gira a roda da vida.
Corte.







05.07.2010 - 20h21min
Um novo ciclo se inicia...

domingo, 4 de julho de 2010

Resgate

O nosso amor a gente inventa

Composição: Cazuza / João Rebouças / Rogério Meanda




O teu amor é uma mentira

Que a minha vaidade quer

E o meu, poesia de cego

Você não pode ver



Não pode ver que no meu mundo

Um troço qualquer morreu

Num corte lento e profundo

Entre você e eu



O nosso amor a gente inventa

Pra se distrair

E quando acaba a gente pensa

Que ele nunca existiu



O nosso amor

A gente inventa

Inventa

O nosso amor

A gente inventa



Te ver não é mais tão bacana

Quanto a semana passada

Você nem arrumou a cama

Parece que fugiu de casa



Mas ficou tudo fora de lugar

Café sem açúcar, dança sem par

Você podia ao menos me contar

Uma história romântica



O nosso amor a gente inventa

Pra se distrair

E quando acaba a gente pensa

Que ele nunca existiu



O nosso amor

A gente inventa

Inventa

O nosso amor

A gente inventa.

Codinome Beija-Flor

Composição: Cazuza / Ezequiel Neves / Reinaldo Arias





Pra que mentir

Fingir que perdoou

Tentar ficar amigos sem rancor

A emoção acabou

Que coincidência é o amor

A nossa música nunca mais tocou...



Pra que usar de tanta educação

Pra destilar terceiras intenções

Desperdiçando o meu mel

Devagarzinho, flor em flor

Entre os meus inimigos, beija-flor



EU PROTEGI O TEU NOME POR AMOR

EM UM CODINOME, Beija-flor

Não responda nunca, meu amor

Pra qualquer um na rua, Beija-flor



Que só eu que podia

Dentro da tua orelha fria

Dizer segredos de liquidificador



Você sonhava acordada

Um jeito de não sentir dor

Prendia o choro e aguava o bom do amor

Prendia o choro e aguava o bom do amor

sábado, 3 de julho de 2010

Algumas palavras

As flores secas cantam canções passadas
as páginas abertas transpiram ontens
o vento sopra perfumes esquecidos
as fotografias amarelam lembranças tidas.
Não paro. Meus pés, embora eu não desejasse,
dão passos à revelia, na dança da vida.
Desço as ladeiras das técnicas
pesquiso outras palavras e formas outras
de dizer o que não escrevo.
Gravo em grão de arroz meu erro
que é pra ninguém saber que dependo
da minha própria aprovação
pra seguir em frente. E sigo.
Deito em colchão de virgulas
e sutilmente mergulho em pesadelos
escondida debaixo de uma consciência
de envenenados espinhos letais.
Quero descobrir-me além das leituras
além das histórias que semeio em mim
além dos sabores que pensei provar.
Afasto o definitivo.
A partir de agora, só os efêmeros
roçarão minhas vestes leves.
Só eles chegarão perto do meu dom:
o de crer na liberdade de tudo
a despeito e antes e acima de qualquer outra coisa
inclusive do amor
(mas o que é o amor?)
.
.
.







03.07.2010 - 22h44min

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Simples

Uma flor amarela tropeça na luz de um raio
o dia quente sufoca a melancolia
qu'inda insistia em escorrer garganta abaixo
(é que colher uma onda gigante esgota a saliva).

A terça parte da vida
tem flores amarelas
molhadas de orvalho
e luz...






Aos 38 minutos do dia 02.07.2010
Cello, depois de me fazeres rir,
aqui minha retribuição.
Obrigada pela disponibilidade.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Rompante

Equilibro minhas linhas tortas
nas cordas moles dos estalos
gêmeos das mortes
das mortes todas nos valos
das valas rasas das beiras de calçadas
vazias.

Colho assombros nos ponteiros dos relógios
nos assovios das solas de borracha
suspensórios de ícones jovens
algodões nas escalas de areias.

Quando é que os fios justificaram os freios
e as sombras apagaram a luz
do mesmo movimento
milhares de vezes repetido
ao espelho?

Balanço a cabeça e confundo amenidades
improviso uma desculpa esfarrapada qualquer
e esclareço a veemência dos pares de sapatos
jogados nos pés avessos
dos terremotos que me tonteiam.

Ameaço uma aposta.
Perco, pra não dizer que
vencer, temi.






Aos 57 minutos do dia 01.07.2010

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Carpe diem

A minha arte
é um escudo
contra a morte iminente.
Não fossem meus olhos
que seria da minha poesia?
Não fosse a poesia
que seria da minha existência?
O que há em mim
esfarelo na folha virgem
e garanto mais um dia.
Amanhã
ritual repetido
té que se esgote a íris
e a força do verso
já não me seja suficiente...







30.06.2010 - 02h20min

Estio

Minha inspiração anda órfã
manca
cega
lenta
tolhida.

Espia por entre as frestas da realidade.

Expia as minhas culpas.

Definha.









30.06.2010 - 02h10min

Suspiro

Quisera poder escolher estradas
desbravar terrenos
saber-me suficiente e farta.
Quisera ter outros conhecimentos
e saber deveras
o que deveras sente
aquele que conhece os caminhos.
Eu não sei o que faço.
Não sei se ando.
Não sei se paro.
Não sei se esqueço o lenço
ou se amarro o bode no pau de sebo.
Não sei se cedo
ou se insisto no contrário.
Quisera não ter chegado tão tarde
na hora exata em que os sóis
de todos os mundos existentes
desaparecem
na linha de um mesmo horizonte inglório.
Quisera outras margens
talvez outras respostas
ou, quem sabe, perguntas diferentes.
As minhas dores todas
carrego sozinha.
Acostumada ao peso delas
não me queixo. Choro.
Tranço o sal das lágrimas
e dele faço poesia.
Nenhuma outra alternativa
de sobrevivência.










30.06.2010 - 02h02min

Reflexo

Arrisco um passo em falso
disfarço um atalho
soluço um suspiro
invento solução pra tudo
intuo a solidão do vento.
O reflexo que me protegia
anda mudo

e hoje
sou só lamento...







30.06.2010 - 01h43min

O que é

Poesia
é susto de madrugada
carranca de pirata
escultura de artista
exposta na praça
no meio da calçada.
Poesia
é mais que rima
mais que arremedo
de companhia
mais que pretensa união
de letras e verbos e pretensões.
Poesia
é canção bailarina
menopausa de menina
e sangramento interrompido
na folha vazia
do fluxo do destino.
Poesia
é tropeço e esperança
vocabulário curto
largo latim de criança.
Poesia
é calor e geleira
chuva, vento e cachoeira.
Poesia
é grito
rumor e asfalto.
Pedra de granito.
Incêndio. Terremoto.
Poesia
é lamento e desabafo
barraco desabado
na beira do abismo.
Tormento.
Poesia
é riso e rouquidão.
Mudez madura.
Solidão.







30.06.2010 - 01h40min

domingo, 27 de junho de 2010

Ausência

EU DEIXAREI QUE MORRA EM MIM O DESEJO

DE AMAR OS TEUS OLHOS QUE SÃO DOCES

Porque nada te poderei dar senão a mágoa

de me veres eternamente exausto

No entanto a tua presença é qualquer coisa

como a luz e a vida



E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto

e em minha voz a tua voz

NÃO TE QUERO TER PORQUE

EM MEU SER ESTÁ TUDO TERMINADO.

Quero só que surjas em mim

como a fé nos desesperados



Para que eu possa levar uma gota de orvalho

nesta terra amaldiçoada

Que ficou sobre a minha carne

como uma nódoa do passado.

EU DEIXAREI... TU IRÁS E ENCOSTARÁS

A TUA FACE EM OUTRA FACE.



TEUS DEDOS ENLAÇARÃO OUTROS DEDOS

E TU DESABROCHARÁS PARA A MADRUGADA

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu,

porque eu fui o grande íntimo da noite

Porque eu encostei a minha face

na face da noite e ouvi a tua fala amorosa



Porque meus dedos enlaçaram os dedos

da névoa suspensos no espaço

E eu trouxe até mim a misteriosa essência

do teu abandono desordenado.

EU FICAREI SÓ

COMO OS VELEIROS NOS PORTOS SILENCIOSOS



MAS EU TE POSSUIREI MAIS QUE NINGUÉM

PORQUE PODEREI PARTIR

E TODAS AS LAMENTAÇÕES DO MAR,

DO VENTO, DO CÉU, DAS AVES, DAS ESTRELAS

SERÃO A TUA VOZ PRESENTE, A TUA VOZ AUSENTE,

A TUA VOZ SERENIZADA.





Vinicius de Moraes


















27.06.2010 - manhãzinha

Orinoco

Orinoco, deixa-me em tuas margens

daquela hora sem hora:

deixa-me como outrora partir despido

em tuas trevas batismais.

Orinoco de água escarlate,

deixa-me mergulhar as mãos que retornam

a tua maternidade, a teu transcurso,

rio de raças, pátria de raízes,

teu largo rumor, tua lâmina selvagem

vem de onde eu venho, das pobres

e altivas soledades, dum segredo

como um sangue, de uma silenciosa

mãe de argila.

 
 
(Pablo Neruda)
 
 
 
27.06.2010 - alta madrugada e dois ebooks de Neruda, abertos, diante de mim...
 
'(...) Talvez não vivi em mim mesmo, talvez vivi a vida dos outros.


Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre - como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.

Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta'. Pablo Neruda

 

sábado, 26 de junho de 2010

CARTA

Meu caro poeta,

Por um lado foi bom que me tivesses pedido resposta urgente, senão eu jamais escreveria sobre o assunto desta, pois não possuo o dom discursivo e expositivo, vindo daí a dificuldade que sempre tive de escrever em prosa. A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola tracada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o fariam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo dirá. Por isso há versos de Camões que nos abalam tanto até hoje e há versos de hoje que os pósteros lerão com aquela cara com que lemos os de Filinto Elísio. Aliás, a posteridade é muito comprida: me dá sono. Escrever com o olho na posteridade é tão absurdo como escreveres para os súditos de Ramsés II, ou para o próprio Ramsés, se fores palaciano. Quanto a escrever para os contemporâneos, está muito bem, mas como é que vais saber quem são os teus contemporâneos? A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos , aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? - perguntarás. E eu te respondo que sobras tu. Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: "eu vos trago a verdade", enquanto o poeta, mais humildemente, se limita a dizer a cada um: "eu te trago a minha verdade." E o poeta, quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos!



Meu poeta, se estas linhas estão te aborrecendo é porque és poeta mesmo. Modéstia à parte, as disgressões sobre poesia sempre me causaram tédio e perplexidade. A culpa é tua, que me pediste conselho e me colocas na insustentável situação em que me vejo quando essas meninas dos colégios vêm (por inocência ou maldade dos professores) fazer pesquisas com perguntas assim: "O que é poesia? Por que se tornou poeta? Como escrevem os seus poemas?" A poesia é dessas coisas que a gente faz mas não diz.



A poesia é um fato consumado, não se discute; perguntas-me, no entanto, que orientação de trabalho seguir e que poetas deves ler. Eu tinha vontade de ser um grande poeta para te dizer como é que eles fazem. Só te posso dizer o que eu faço. Não sei como vem um poema. Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação. (Em vez de associações de idéias, associações de imagem; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema) tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.



Como vês, para isso é preciso uma luta constante. A minha está durando a vida inteira. O desfecho é sempre incerto. Sinto-me capaz de fazer um poema tão bom ou tão ruinzinho como aos 17 anos. Há na Bíblia uma passagem que não sei que sentido lhe darão os teólogos; é quando Jacob entra em luta com um anjo e lhe diz: "Eu não te largarei até que me abençoes". Pois bem, haverá coisa melhor para indicar a luta do poeta com o poema? Não me perguntes, porém, a técninca dessa luta sagrada ou sacrílega. Cada poeta tem de descobrir, lutando, os seus próprios recursos. Só te digo que deves desconfiar dos truques da moda, que, quando muito, podem enganar o público e trazer-te uma efêmera popularidade.



Em todo caso, bem sabes que existe a métrica. Eu tive a vantagem de nascer numa época em que só se podia poetar dentro dos moldes clássicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes, obedecer àquelas rimas. Uma bela ginástica, meu poeta, que muitos de hoje acham ingenuamente desnecessária. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico. Verás com o tempo que cada poema, aliás, impõe sua forma; uns, as canções, já vêm dançando, com as rimas de mãos dadas, outros, os dionisíacos (ou histriônicos, como queiras) até parecem aqualoucos. E um conselho, afinal: não cortes demais (um poema não é um esquema); eu próprio que tanto te recomendei a contenção, às vezes me distendo, me largo num poema que vai lá seguindo com os detritos, como um rio de enchente, e que me faz bem, porque o espreguiçamento é também uma ginástica. Desculpa se tudo isso é uma coisa óbvia; mas para muitos, que tu conheces, ainda não é; mostra-lhes, pois, estas linhas.



Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.



Enfim, meu poeta, trabalhe, trabalhe em seus versos e em você mesmo e apareça-me daqui a vinte anos. Combinado?



Mario Quintana

Pra lembrar de Quintana (Como se fosse possível esquecê-lo)

EU QUERIA TRAZER-TE UNS VERSOS MUITO LINDOS
Eu queria trazer-te uns versos muito lindos

colhidos no mais íntimo de mim...

Suas palavras

seriam as mais simples do mundo,

porém não sei que luz as iluminaria

que terias de fechar teus olhos para as ouvir...

Sim! Uma luz que viria de dentro delas,

como essa que acende inesperadas cores

nas lanternas chinesas de papel!

Trago-te palavras, apenas... e que estão escritas

do lado de fora do papel... Não sei, eu nunca soube o que dizer-te

e este poema vai morrendo, ardente e puro, ao vento

da Poesia...

como

uma pobre lanterna que incendiou!



Mario Quintana (Quintana de Bolso)




OS DEGRAUS
Não desças os degraus do sonho

Para não despertar os monstros.

Não subas aos sótãos - onde

Os deuses, por trás das suas máscaras,

Ocultam o próprio enigma.

Não desças, não subas, fica.

O mistério está é na tua vida!

E é um sonho louco este nosso mundo...



Mario Quintana - Baú de Espantos





SIMULTANEIDADE
- Eu amo o mundo! Eu detesto o mundo! Eu creio em Deus! Deus é um absurdo!
Eu vou me matar! Eu quero viver!

- Você é louco?

- Não, sou poeta.



Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo (Poesia Completa, p. 535)



SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo...

Quando se vê, já é 6ªfeira...

Quando se vê, passaram 60 anos...

Agora, é tarde demais para ser reprovado...

E se me dessem - um dia - uma outra oportunidade,

eu nem olhava o relógio.

seguia sempre, sempre em frente ...



E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.



Mario Quintana ( In: Esconderijo do tempo)





CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Eu sou um homem fechado.

O mundo me tornou egoísta e mau.

E a minha poesia é um vício triste,

Desesperado e solitário

Que eu faço tudo por abafar.



Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,

Com o teu passo leve,

Com esses teus cabelos...



E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender

nada, numa alegria atônita...



A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil

Aonde viessem pousar os passarinhos.



Mario Quintana



O SILÊNCIO
Convivência entre o poeta e o leitor, só no silêncio da leitura a sós. A sós, os dois. Isto é, livro e leitor. Este não quer saber de terceiros, n ão quer que interpretem, que cantem, que dancem um poema. O verdadeiro amador de poemas ama em silêncio...



Mario Quintana - A vaca e o hipogrifo







PROJETO DE PREFÁCIO

Sábias agudezas... refinamentos...

- não!

Nada disso encontrarás aqui.

Um poema não é para te distraíres

como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.

Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe

Um poema não é também quando paras no fim,

porque um verdadeiro poema continua sempre...

Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte

não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.



Mario Quintana

terça-feira, 22 de junho de 2010

Pós

Depois do passado
um pouco adiante do presente
nada é o que se apresenta
nada além do que se pressente
nenhuma conquista de fato.
Depois do passado
um punho fechado
e um presente embrulhado
com papel alumínio gasto.
Um sopro.
A vela despede a chama.
Na cama
um futuro enfumaçado.
Depois do passado
um lamento...





22.06.2010 - 03h06min

Insignificante












Farta,
a falha admite
a vertigem.

Compreender exige energia
.










22.06.2010 - 01h08min

Luta

Contra o vento
investem as tormentas.
Nem um
nem outro
vence.
Vaidade.






Aos 26 minutos do dia 22.06.2010

Rasgo


A sorte
na folha
 voa.

Seca,
a garganta recusa
um gole de palavra.

Brusca,
a busca treme.

Pálida semelhança.






Aos 8 segundos do dia 22.06.2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Fotografia






Amarelar...
ir perdendo a cor e o viço
desfibrar as tramas
do papel antigo.

En
ve
lhe
cer

(se)
.
.
.






21.06.2010 - 23h50min

Um brinde...



... ao abismo...




Inerente à festa,
o precipício.


Erguem-se as taças
e os conteúdos respingam
na gola da camisa  da escolha.
Tudo se perde.






21.06.2010 - 23h21min

sábado, 19 de junho de 2010

A outra




Sou só mais uma
de todas as tantas outras




que moram em mim
(e em ti)...





19.06.2010 - 13h55min

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sou

Eu sou, sem nunca ter sido eu.


Ou talvez tenha sido um pé e uma cabeça.

Um ET invertido.

Uma invenção pela metade.

Um soneto sem rimas.

Uma planta engasgada

na garganta do Planeta Azul.

Eu sou, sem nunca ter tido eu.

Ou talvez tenha tido uma fé e uma cachaça.

Um elo dividido.

Uma saturação da verdade.

Um lamento com cifras.

Uma raça enganchada

na bainha do firmamento anil.

Eu sou o fio de cabelo

do Corcunda de Notre Dame,

o cisco no olho do profeta louco,

a folha rasgada do livro maldito,

a Bíblia dos desesperados,

a prisão dos aflitos,

a caneta vazia, esquecida na mesa gelada.

Eu sou a tela clara

a tinta escura

a cor espremida na teia de aranha

que não escalou o Everest

mas que conhece o calor do verão

do lado de baixo da Terra.

Eu sou arrependimento

e coragem,

impertinência,

vertigem,

voracidade.

Eu sou a sexta-feira

do feriado prolongado

e a santa no altar da igreja abandonada.

Eu sou o guarda-chuva

e a chuva que te molha.

O canto escuro

o muro pichado

e a fumaça do talento

que disfarça

e não acontece.

Eu sou um nó

um eco

um pente.
 
 
 
 
 
 
18.06.2010 / 20h46min

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Mulher sem rosto

Pingo nas tintas dos meus começos





Respingo meus contornos vagos






Não tenho rosto






Só uma alma sonâmbula
perambulante ofensa aos usos e costumes
impaciente ante os desditos do mundo.



17.06.2010 - 01h05min