terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Encarnação

Se outras vidas vivi
homem, fui boêmio
de tuberculose morri.
Mulher, talvez invisível
dessas sem história
ou rastro ou perda
que valha a pena ver.
Secretária, talvez.
Talvez feminina feminista
de coldre na cinta liga
nada deixando a desejar.
Talvez tenha lido
A Paixão do Jovem Werther
e de uma corda feito colar
ou esfregado o chão
d'algum castelo secular
sem jamais chegar a conhecer
nem príncipes nem fadas-madrinhas
nem em cavalo alado cavalgar.
Se outras vidas vivi
talvez tenha criado ovelhas
talvez inda em criança morri
talvez um artista
que o mundo está por descobrir.
Feiticeira consorte espiã assassina juiz
freira escrava médico louca soldado meretriz
mensageiro do rei profeta cocheiro infeliz
do feudo, o senhor-escravo-raiz.
Talvez arrogante
talvez pacifista
linear ou não, cínica.
Talvez daí a falta de sono
a falta de apetite
a falta de superstição.
Talvez daí a sede louca
permanente cansaço
profunda solidão.
Daí, talvez, a muda agonia
a ferida no peito
a confusa desilusão.
Dessas vidas que me habitam.
Das vidas todas que vivi.


12.01.2010 - 13h13min

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