sexta-feira, 18 de junho de 2010

Sou

Eu sou, sem nunca ter sido eu.


Ou talvez tenha sido um pé e uma cabeça.

Um ET invertido.

Uma invenção pela metade.

Um soneto sem rimas.

Uma planta engasgada

na garganta do Planeta Azul.

Eu sou, sem nunca ter tido eu.

Ou talvez tenha tido uma fé e uma cachaça.

Um elo dividido.

Uma saturação da verdade.

Um lamento com cifras.

Uma raça enganchada

na bainha do firmamento anil.

Eu sou o fio de cabelo

do Corcunda de Notre Dame,

o cisco no olho do profeta louco,

a folha rasgada do livro maldito,

a Bíblia dos desesperados,

a prisão dos aflitos,

a caneta vazia, esquecida na mesa gelada.

Eu sou a tela clara

a tinta escura

a cor espremida na teia de aranha

que não escalou o Everest

mas que conhece o calor do verão

do lado de baixo da Terra.

Eu sou arrependimento

e coragem,

impertinência,

vertigem,

voracidade.

Eu sou a sexta-feira

do feriado prolongado

e a santa no altar da igreja abandonada.

Eu sou o guarda-chuva

e a chuva que te molha.

O canto escuro

o muro pichado

e a fumaça do talento

que disfarça

e não acontece.

Eu sou um nó

um eco

um pente.
 
 
 
 
 
 
18.06.2010 / 20h46min

2 comentários:

Blue Knight disse...

Mais do que a santa no altar de uma igreja abandonada, você é a padroeira que vela por mim nas noites frias.

Marcello disse...

É verdade. Você não tem pé nem cabeça, é uma invenção não terminada, perdida nas rimas do soneto da vida. Sim, você é fé e cachaça, as cifras de uma canção não escrita e essa raça que não desgruda do firmamento. Só o fio de cabelo do Corcunda? Não. Você é o próprio Corcunda, infinitas vezes melhorado. Só o cisco no olho do profeta? Você é a própria loucura do profeta, e não apenas a folha rasgada do livro maldito, mas o livro inteiro, amaldiçoado pra sempre num rio de bênçãos. Você é o desespero e a caneta e a mesa sobre a qual ela foi esquecida (quem dera fosse no meu escritório). Você é a escuridão da tinta escura e a claridade da tela clara. Você é aranha e Everest. A santa não existe. Você é a igreja e tudo o que estiver nela, inclusive os fiéis, praticantes ou não (eu, um deles). Você não é o nó; você é a linha e o dedo que dá o nó (inclusive na minha cabeça). Não é o eco; é a primeira voz, que provoca o eco. Não é o pente. Você é mistério.

Você é maravilhosa. É impossível não ficar viciado em você.


Beijos


Cello