terça-feira, 24 de junho de 2008
De repente
De repente tudo vira de cabeça pra baixo
de repente o tinto perde a cor
a cor perde a razão,
a razão, a palavra.
De repente, o espaço está do avesso
o passo é espesso
o escudo, uma invenção
de um louco desacostumado
com a luz de um outro olhar...
De repente, a desconstrução
e tudo passa a ser o que está em outro lugar.
De repente, a tese rasgada,
a antítese no verso da folha amarelada
e todo o dito des-dito, malfadado.
De repente, o que acredito
não sustento
o que sutento
não credito
no símbolo suspenso
sobre o teclado.
De repente, negror e sal amargo
torpor e braço dado
saliência e serpente
no delírio de um doente
que se pensa santo
e que atravessa o sol poente
como quem brinca
de ser criança.
De repente a conversa inocente
rasga as vestes
e enfurece a dança
de corpos distantes que estremecem
ante o afago
ante a proferida sentença
que nega a venturosa lembrança.
De repente acordam-se os sonhos
e andam em dimensões diversas
entre os paradeiros das criadas
das mulheres, das trapaças,
das vertentes de lábios avermelhados,
das madrugadas, das vizinhas,
das deslavadas caras de predadores
famintos por leite diverso.
De repente escrevo poema
quando queria escrever um risco
(apenas um risco)
um cisco no olho do passante
que arranca a trave
e grita, com o espinho entre os dentes:
"SE É POESIA, SIM!
DOU O MEU ACEITE!"
E o acerto é acordado
entre todos os presentes.
Se poetas, se dementes,
não faz mal,
a gente sempre ri de tudo mesmo,
a gente sempre vai estar aqui,
afinal
todo verso se inicia assim
num repente...
Bem assim, de repente...
24.06.2008 - 01h38min
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